segunda-feira, 8 de julho de 2013

Herança


Mamãe costuma dizer que nós lá em casa não guardamos mágoa.  A gente tem é uma memória muito boa.
Neste final de semana, que eu dormi com ela, me contou uma história esplêndida, que eu conto sem citar nomes.[1]

É que mamãe recebeu uma visita de um irmão[2] e ofereceu pra ele um arroz-doce que havia feito. Engolindo seco, ele agradeceu:
-  Eu não como arroz-doce.
A cara de estranhamento da mamãe foi tão grande que nosso herói resolveu abrir o coração. 

Ele tinha seus 13 pra 14 anos quando estava com o Biá, seu companheiro de traquinagens, na fazenda da Dona Adelina, mãe do Joaquim Leão.  Os dois estavam na cozinha, de olho em um arroz-doce que estava sendo preparado.  Joaquim chegou e Dona Adelina, puro zelo, ofereceu o pitéu ainda quente.  Apressado, Joaquim declinou e partiu, sexta feira, para um trabalho que tomaria o final de semana todo.  Comeria quando voltasse, disse ele.

Cuidadosa, Dona Adelina guardou a iguaria longe das duas crianças, para ser degustada na segunda com o filho.  Biá e Fernando (ih, me escapou...) passaram todo o final de semana salivando de vontade de comer o arroz-doce mas foram mantidos a uma distância providencial.
Chega segunda feira, e, toda delicada, lá foi Dona Adelina oferecer o arroz-doce pro filho que chegara inda agorinha.  Quero não, falou Joaquim, sem dar muita trela.
-  E o bobo do Biá ainda aceitou, completou Fernando pra mamãe.

Fernando completou 70 anos este ano, perto do aniversário da mamãe.  Pois você acredita que ele ficou algo em torno de 57 anos sem comer arroz-doce e sem ninguém saber desta história?  Fora que Dona Adelina já deve ter morrido há mais de 40 anos.  E o Biá, há mais de cinco.

Quando mamãe me contou o caso, telefonei pro Fernando, convidando pra comer um arroz-doce comigo.  Do outro lado da linha, ele estourou de rir, consciente da bobagem de ter passado estes 50 e tantos anos longe da felicidade de ver o gosto do doce tomando conta de sua boca.

Acho que meu câncer pode ter vindo desta mania de guardar mágoa.  O bom é que ele também tá indo embora quando eu vou descobrindo que mágoa só machuca a gente mesmo.

Ainda bem que a risada que o Fernando reservou pra si mesmo ajuda a me ensinar a ser mais generoso e a tentar levar uma vida mais leve.
Espero que você também.







[1] É que se eu citar nome, o Fernando vai ficar magoado comigo.  Ou melhor, vai lembrar sempre desta história.

[2] Mamãe só tem um irmão vivo.  Tô achando que até o final da história, eu conto que é o Fernando.  Bora ver se eu consigo guardar o segredo.

quarta-feira, 27 de março de 2013

Dona Ester e seus 90 anos




Um tempo depois que papai morreu, em 1970, mamãe teve um câncer de mama que deixou nós todos em choque.  Hoje, a coisa virou motivo de brincadeira nossa com ela.  Mas Dona Ester foi pro hospital, chorando, falando com a gente onde tinha cheque assinado, quanto tinha em qual banco, certa que era a última vez que ela nos veria.
Há uns cinco anos atrás, plantei uma recém-nascida muda de jaboticaba e falei que a árvore era dela.  Meio sem gracinha, ela me perguntou:  Será que eu ainda vou chupar desta jaboticaba?[1]
Outro dia, mamãe reclamava com Lisa, minha do meio, que ela não sabia que envelhecer seria tão difícil.  Lisa chutou o balde e falou com ela, na lata:
-  Mas vó, tem mais de 20 anos que a senhora é velha e só tá reparando isto agora?  Então tá muito fácil, esta história de envelhecer...

Ontem, mamãe, longeva que só ela, completou 90 anos.  Encheu a Igreja de Santo Inácio, com amigos dela e nossos, agradecendo a Deus pelo privilégio de estar acompanhando nossas vidas.
Adriana do Cuca leu[2], ao final da missa, este texto que ela e Rachel da Flavinha, com o auxílio luxuoso da Ciça,
 prepararam.


Hoje estamos aqui para falar de uma das pessoas que mais admiramos na vida.
Dela, temos as lembranças carinhosas, as férias na casa da avó... almoços e agora lanches de domingo... os mimos... as histórias...
Alguns a conhecem por Ester, muitos Tia Teca e outros até por Teté.  Para nós, será sempre a Vovó Teca.
Ela é aquela que nunca se cansa das nossas brincadeiras, que sempre arruma forças para segurar o Antônio, que sempre fica andando atrás do Henrique mostrando uma brincadeira diferente, que sempre lembra ao Tomás a sacola cheia de brinquedos que ela guarda no quarto e que sempre segura o Tadeu coberto com um lençolzinho e todo cuidado do mundo.
Conforme a gente foi crescendo, ela foi se transformando em referencia para tudo. Não estamos menosprezando nossos pais, mas essa avó é demais. Virou modelo de vida, confidente, professora particular para os que ficavam em recuperação no final do ano. Não dava sossego pra ninguém.
Quando a gente cresce, consegue perceber que até as coisas mais simples são capazes de nos marcar para a vida inteira:
Primeiro, o sorriso com que nos recebe sempre que chegamos em sua casa. Sorriso sempre aberto a qualquer pessoa que passe por lá. O sorriso sempre vem seguido da exclamação: OH! É você!? ;como se tivesse anos que a gente não aparecia. Não me lembro de nenhum momento em que fôssemos recebidos sem aquele semblante de satisfação. Sua casa nos acolhe e , por menor que seja, se torna um palácio com um espacinho para cada pessoa que quiser chegar. Antes ,a sala grande do Gutierrez  abrigou as aulas de dança, gincanas, desfiles de moda e até mesmo um pequeno acidente envolvendo um tampo de mármore, mas, não se preocupem,  ninguém saiu gravemente ferido. Agora a do São Bento, que mesmo com uma área externa enorme para nos divertir, apesar de pequena, nos acolhe e nos faz ficar mais tempo dentro de casa. Quem precisa de um bronzeado no verão quando se tem a Vovó Teca pra prosear.
Segundo, a força. As vezes me pego pensando como uma mulher pequenininha teve 7 e grandes filhos, se viu viúva de forma repentina e antecipada. Com a responsabilidade de continuar a sua vida e a de uma família inteira, ela sempre deixou que os filhos acreditassem que eles estavam tomando conta dela, mas a gente sabe que, no final das contas, até hoje é ela quem toma conta de todo mundo. Não deve ter sido fácil, foi professora, teve mercadinho, salão de beleza... sei que a força se transformou em doçura. E convenhamos, vendo no que esta família se transformou, ela fez um tremendo trabalho.
Terceiro, o cabelinho branco. Sempre arrumado, no seu lugar.
Quarto, a casa cheia que nunca esvaziava. Eram os irmãos, os sobrinhos, os primos, os filhos, os netos para mais de metro (literalmente), até aqueles que não eram netos legítimos, mas que insistiam em chama-la de avó (sim, a gente assume, ficávamos enciumados com isso, mas de que vale isso ?).
Relembrando, percebemos que esses pequenos detalhes se juntam como peças num quebra-cabeça e a figura que se forma é essa diante de nós. Essa mulher linda, doce, gentil, engraçada que quando precisa se transforma numa tigresa, numa muralha ou num jardim florido cheio de azaleias e ipês, tudo isso num piscar de olhos.
Ela é irmã, tia, prima, mãe, avó e bisavó. Ela é completa. Ela é o que sempre quisemos ser e o que continuamos querendo ser quando crescer.
Parabéns Dona Ester.
Parabéns Teté.
Parabéns Tia Teca.
Parabéns bisa Teca.
Parabéns Vovó Teca
Parabéns meu amor!



[1]  Ano passado ela chupou a primeira jaboticaba.
[2]  Regina também leu.  Depois mostro pra vocês.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Agenda cheia



Tomás faz 6 anos dia 25 de agosto.  Eu, faço 4 dia 1º de setembro, depois que o Xande, meu personal urologist começou a comemorar minha operação.  Sei lá de onde Tomás escutou a conversa mas domingo, quando nós dois fomos abrir a porteira do Meu Sítio, ele começou o inquérito.
-  Vô, num é que quando você não estiver mais doente, a gente vai lá em cima no lago lonado pra pescar?
Meio hesitante, concordei. 
-  É capaz de, quando você fizer sete anos, talvez a gente possa fazer isto.
Ele continuou:
-  Não é que nós também vamos brincar lá na praia de areia do riachinho?
Vamos sim, Tomás.  Se tudo der certo, vamos sim.

Tá achando que acabou?  E lá vem mais.
-  E não é que você vai selar o Rapadura pra gente andar a cavalo também?
Como eu já estava começando a ficar pré-cansado, só de imaginar a surra que estava prenunciando pra eu levar, lembrei o menino da minha ancianidade e da mobilidade reduzida.
-  Acho que vamos sim, Tomás.  Mas mesmo quando eu não estiver mais doente, eu ainda vou estar velhinho, velhinho.

Tomás, meio cansado dessas artimanhas de quem tá fugindo de serviço, concluiu a conversa:
-  Eu te ajudo.
E mais não disse e não lhe foi perguntado.  Ficamos assim.  Mas, da minha parte, já tô meio preocupado com a agitação que me espera...

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Nada haver II



Já tô com uns 50 rins ofertados depois do último post.  Alguns, da primeira hora, desde o dia que eu fiz a operação, no dia 1º de setembro de 2009.  Gente que, do nada, ficaria feliz em me dar um pedaço de suas vidas pra eu levar a minha mais suavemente.

Diogo, meu filho-homem, chegou cheio de rodeios, perguntando se eu já estava liberado para exames de compatibilidade.  Lisa, a que me aplicou no Richarlyson, fingindo um jeito blasé incompatível com a novidade, me falava, na mensagem do celular:
-  Massaroca, pc.  Eu até animo de ver se sou compatível com você.
Como se a gente estivesse falando da coisa mais banal do mundo.

Tudo bem.  Isto é um assunto que nós vamos discutir depois de setembro, se meus exames de controle forem bonitinhos igual têm sido até agora.  Mas para mim é claro que eu vou  contar com transplante de cadáver.

Guguta, meu personal proctologist[1], me descascou.  Veio com o discurso médico pré-parado, dizendo que, sendo prático, isto significava que eu iria lá pro 9 mil e cacetadésimo lugar na fila.  E que eu não tinha o direito de negar a quem me ama a chance de me garantir o direito à felicidade e blábláblá...
Falei com ele:  Já discuti isto tudo com meus médicos.  Não estou negociando com você.  Estou informando que decidi isto.

Meio que querendo encerrar, Guguta bateu o martelo:
-  A gente ainda vai ter muito tempo pra pensar nisto.

Nem dei bola.  Neste momento, estou mais em lua de mel com o comportamento do Valente.  De qualquer forma, fazer o transplante inter-vivos vai só me poupar uns (poucos) meses de hemodiálise.  Não tenho dúvida que vou esperar um pouquinho, sem precisar tirar um rim de alguém.  

Tá tudo dando muito certo!


[1]  A quem eu sou gato por ter me aplicado no Metamucil



segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Nada haver



Claro.  Não tem nada a ver.

Uns dias aí pra trás fui tomar umas[1] no final da tarde com meus amores platônicos do Estadual, Inezinha e Thê.  Tomate não pode porque o amado chegara de viagem.

Inezinha, que é minha personal pathologyst desde o começo, falava do quanto ela gostava de me ver, principalmente quando lembrava dos resultados dos primeiros exames que eu havia mostrado aqui.  Pra ela, era um milagre, eu ali, todo pimpão e frajola.  Deve ter sido por isto que o Xande, meu personal urologist, havia ficado so impressed com os resultados de exatos 11 meses e 18 dias da operação.

Semana passada eu terminei minha bateria de exames periódicos de controle.  Leco, meu personal oncologist, examinou tudo, rindo sem parar [2].  Depois foi a vez de Xande, supracitado, que gargalhava durante a consulta como se estivesse assistindo a um espetáculo de standup.  Devia estar lembrando da Síndrome de Tadeu, meu personal public relations junto a Ele.  Xande tinha medo de mim, no começo, porque, se desse errado, era culpa dele[3]. E se desse certo, era Tadeu rezando por mim.

Terminada a consulta, me falou que, com os resultados dos exames de setembro, quando completam 4 anos da operação, me entrega o laudo que me capacita a entrar na fila do transplante do rim.

Claro.  Não tem nada a ver.

Semana passada, Gêisa, que viajara a Paris para um congresso de psicanálise, enquanto eu estava pirulitando de um médico pro outro, tinha ido à Igreja de Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, na 140, Rue Du Bac, rezar por mim.

Fico pensando que, com a ajuda de São José e Nossa Senhora, eu recebo muito mais que eu peço.  Não tenho nenhum haver quando for fazer meu equilíbrio de contas.  
Agradeço o tempo todo por isto.



Crédito:  a ilustração, originalmente em p&b, foi colorida pelo Alê Starling



[1]  Elas foram tomar umas. No meu caso, foi meio suco, e dos pequenos. 

[2]  O tal código que eu traduzo como tudo bem.

[3]  Agora com “e” minúsculo mesmo.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Asa de papel



Você já deve estar cansado de ouvir falar em Marcelo Xavier aqui nest’A Saga.  Já me ouviu contando do pacotinho e do jeito que São José recebeu o dele, já ouviu Lisa, minha filha do meio, apresentando Marcelo pra uma amiga falando que ele era o namorado do meu pai, já ouviu a história do livro que ele dedicou pra mim.  Sempre, uma declaração de amor atrás da outra.

Eu, não.  Pelo contrário.  Falo dele toda hora e, sempre que posso, corro pro Café Book onde Marcelo, quase que religiosamente, bate o ponto, mesmo sem ter assunto nenhum pendente na pauta.

E o assunto de hoje é da maior importância.  O livro Asa de Papel foi escolhido entre os dez melhores livros de imagens do Brasil de todos os tempos.  A seleção foi feita pela FNLIJ - Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil para o projeto World Through Picture Books, organizado pela IFLA - International Federation of Library Associations.  Pra divulgar este projeto, a IFLA realizará duas exposições com exemplares dos outros livros selecionados ainda neste ano.  A primeira será em Bolonha, durante a Feira do Livro Infantil de Bolonha, e a segunda está prevista para acontecer em Tokyo.

No link http://www.ifla.org/node/6718 estão todos os escolhidos, de diversos países.  Em http://www.ifla.org/files/assets/libraries-for-children-and-ya/Picturebooks/Brazil1.pdf está relação dos dez títulos brasileiros.  Tudo bem que Asa de Papel começa com a letra A.  Mas é o primeiro da lista.  Do jeito que eu sou, já fico achando que é o número 1.  Aliás, aqui eu falo da dedicatória que ele escreveu no Asa de Papel e quando o livro foiimpresso em espanhol, para a América Latina.  
Fala se não é pra ficar encantado com este menino...  Fala?



ps:  Eu ia colocar aqui uma vinhetinha que ou a Tv Cultura ou a Futura usam as imagens do livro.  Distraído, ele nem lembra do nome do programa.  Fico devendo.


Resolvido:


terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Esculacho



Celinho, e aqui também[1], outro dia me passou o maior esculacho por eu estar andando meio preguiçoso com as postagens do blog.  Dizia ele que o blog devia ser minha contribuição pra melhorar a vida de quem sofre ou sofreu o mesmo problema que eu.  Que eu devia considerar o blog como minha responsabilidade pra melhorar o mundo.  Claro que eu achei um baita de um exagero dele.  O blog até que, egoisticamente, era um jeito bom de melhorar minha vida, se tanto...

Mas outro dia me aconteceu uma surpresa que melhorou mesmo minha vida.  Recebi um email da Márcia, de Macaé, que conversava comigo como se a gente se conhecesse de longa data.  O ponto que nos unia era o câncer e o Sutent, que no meu caso foi fantástico e, no caso dela, serve como um tratamento complementar depois da retirada do rim esquerdo e da descoberta de algumas coisas na coluna.  Ela tinha começado a procurar sobre o Sutent (e aqui também) no Google e acabou nest’A Saga.

Márcia ainda está com metástases em meia dúzia de ossos e o Sutent, complementando a terapia com Zometa[2], vai ajudando a não deixar a coisa avançar.  Tem hora, ela diz, que bate uma tristeza e faz a maior força pra não cair na depressão.
Ela anda fuçando o blog todo e fecha:  Foi bom “te conhecer”.  Também adorei!

Tô na maior briga pra ela contar a sua experiência em um blog também.  No mínimo, pra mandar embora a tristeza que aparece, vez em quando.  Márcia me deu a maior vontade de postar mais sobre os sustos e as alegrias que eu ando vivendo neste período.

Beijão pra você, menina.  Eu e Valente (e acho que Celinho também) ficamos daqui torcendo!

http://www.youtube.com/watch?v=38MeE_T-cZA




[1]  Ele até aparece em mais situações.  Mas fica com vergonha, quando eu falo dele...
[2]  Nem nunca ouvi falar.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Édipo Turbo


Diogo e Carol fazem um belo trabalho com Tomás.  O menino anda cada vez mais encantador e cada vez mais apaixonado com a mãe.  Nada novo, considerando que Freud, desde sempre, já tinha avisado em que esta coisa ia dar.

Mas Diogo anda empenhado em conquistar um lugar que ainda não lhe cabe, tentando, de toda maneira, que a mamãe fique em segundo plano.

Ainda outro dia, passeando com Tomás na porta da casa deles, forçou o assunto perguntando pro menino na lata:
-  Tomás, você ama a mamãe até onde?
O dia estava lindo e Tomás olhou pra cima e respondeu sem hesitar:
-  Até o céu.
Meio que querendo comparar, Diogo emendou, continuando o interrogatório:
-  E o papai?
Tomás pensou um pouco antes de responder, e não querendo ferir suscetibilidades, acabou com o assunto:
-  Até o alto daquela árvore ali!
E apontou pra uma arvrinha que mal alcançava o teto do edifício onde eles moram.

Diogo me contou morrendo de rir mas guardou aquela dor profunda dentro do peito.  E começou a jogar todas as suas fichas em uma reviravolta da situação.  Quando achou que tinha a coisa sob controle, voltou a carga, torcendo por uma mudança no cenário.
-  Tomás, você gosta muito do papai?
Rindo, com a cara de quem sabia o estrago que estava por causar, a criança respondeu:
-  Mas eu gosto mais da mamãe...

Concordo com Diogo.  Pai sofre!



quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Mais barraginha


[1]

Luciano Cordoval esteve lá no Meu Sítio, final de novembro.  Ele é o cara que desenvolveu, implanta, anima e prepara multiplicadores para as Barraginhas, uma das tecnologias sociais mais importantes que eu conheço.  Quando falei disto a primeira vez, ele já tava na bica de 500.000 barraginhas pelo Brasil afora.  Com a idéia[2] de espalhar multiplicadores pelo Brasil, Luciano virou plantador de água.  Já deve ter passado de um milhão de barraginhas, trazendo vida para um punhado de gente que perdia sua esperança pra seca, a cada vez que a chuva não vinha.
Chegou com sua Ana, pra fazer um improvável lago lonado no topo mais alto da parte de cerrado.

A coisa é de uma simplicidade absurda.  Coisa de gênio mesmo.  Enquanto a função das barraginhas é jogar a água da chuva pro lençol freático, a proposta do lago (que ele gosta de chamar de múltiplo uso) é deixar a água disponível pro que a gente quiser:  irrigar as plantações de eucalipto do Diogo, deixar água pras vacas (as duas), pro Tomás pescar uns lambarizinhos[3].  Uma festa.
O macete tá na inclinação da rampa (não mais que 30º), pra evitar que a terra escorra na rampa. Aí cobre o fundo com lona de 200 microns, de 8 metros de largura (se precisar de emenda, usa cola de sapateiro).  Cobre a lona com uma camada de terra e aí a chuva enche e a gente mantem, bombeando água do riacho.

Outro dia, sem ele saber, ganhou de uns amigos do Rio um filme sobre a experiência.  Me mandou, feliz igual menino diante de um prato de brigadeiro.





[1] Desenho pirateado na tora do Mário Vale, de quem, aliás, pirateei também minha cara de Papai Noel.
Com o conhecimento dele, diga-se de passagem

[2] Deve ser praga do Fernando Pessoa que dizia em alto e bom som, “Mas odeio, com odio verdadeiro, com o unico odio que sinto, não quem escreve mal portuguez, não quem não sabe syntaxe, não quem escreve em orthographia simplificada, mas a pagina mal escripta, como pessoa propria, a syntaxe errada, como gente em que se bata, a orthographia sem ipsilon, como escarro directo que me enoja independentemente de quem o cuspisse”, in Livro do desassossego, já citado aqui umas duas vezes.  Eu sempre ria da vovó escrevendo directa e agora não consigo deixar de acentuar ideia.  Ainda bem que o Novo Acordo Ortográfico ainda não entrou em vigor.

[3] Luciano acha que dá pra criar tilápia, se a gente quiser correr o risco de passar raiva com o povo indo lá pescar.  Se rolar, tá bem servido...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Ela, de novo




Tenho aprendido, pela minha vida afora, que em pouca coisa ainda ouso pontificar.  Mas tem uma que eu acho uma das minhas verdades inderrubáveis:  não vale a pena brigar com mulher. 
Aprendi com as minhas que, quando brigo com elas, eu sempre perco.  Mesmo quando ganho, fico tão devastado, que perco.  Simples assim.
Entendi, e escolhi, que é melhor ser feliz do que ter razão.

Acho mesmo que foi por causa disto que andei sumido por tanto tempo.  Pois você acredita que Isadora, minha veia bailarina, me puxou de vez o tapete?  Ainda outro dia eu tinha desacatado ela toda, falando do trabalho que Zé Vicente, meu personal angiologist havia feito, dos stents que ele tinha colocado...
A bem da verdade, Zé Vicente tinha feito uma angioplastia.  Mas pela imagem, mesmo para um leigo, era evidente que só faltava correr pro abraço.

De pirraça, Isadora não apareceu de jeito nenhum.  Não tive escolha.  Tive que fazer um enxerto de fístula, no punho da mão direita, e deixar Isadora de lado.  Agora to eu aqui, espremendo bolinha pra amadurecer a veia nova.

O frêmito ainda tá fraquinho, fraquinho.  Vai ficar bom lá pra meados de fevereiro.  Mas eu andei bem tristinho com o desacato desta Isadora.

Agora tá bacana...  Mas fiquei um bom tempo sem achar a menor graça!




quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Aniversário


Tive dois presentes inesquecíveis na minha vida.  Um, quando no meu batismo, ganhei uma bezerra de presente do TiZéCantídio, a quem papai tinha escolhido pra ser meu padrinho. 

Nunca vi, a tal bezerra.  Mas papai se desculpou comigo a vida toda, porque a bezerra tinha servido de lastro pra um furo de orçamento aqui de casa.  Papai jurava que ia, uma dia, me pagar os 3.500 seiláoquê[1] que ele tinha lançado mão da minha caderneta de poupança do Lavourinha.  

Minha vida toda, sempre que eu fechava o mês raspando, pensava no quanto esta bezerra do TiZé deve ter sido providencial e o tanto que deve ter sido difícil lançar mão da minha caderneta de poupança, mesmo se prometendo, um dia, acertar esta conta[2].
Isto deve ter sido entre 1955 e 60.

O outro presente, de aniversário, eu devia ter uns 14 pra 16 anos, ganhei no Estadual, de duas irmãs minhas, Lygia e Thereza.  Foram elas que me aplicaram n’O apanhador no campo de centeio, aliás.
Era um cachorro, formado por duas batatas, uma grandona (o corpo) e uma pequena (a cabeça).
O corpo e a cabeça do cachorro eram estruturados com palitos de fósforo, que davam pro pequeno animal uma leveza e uma fragilidade sem igual.  E que exigiriam de mim um cuidado com o qual eu não estava acostumado.
Demorei um breve tempo pra gostar do cachorro.  Aliás, gastei um tempinho pra me dar conta.  De início, olhei pra ele, meio sem entender, que presente era aquele que, do nada, tinha me sido apresentado.  Como assim, uma batata?  Acho que foi Lygia quem esclareceu minha dúvida:
-  Não é batata...  E um cachorro! falou ela, definitiva.
E aquele presente nunca mais saiu da minha cabeça.  Foi como se Lygia e Thereza tivessem me ensinado a atribuir valor para as coisas, a ter liberdade pra deixar a imaginação fluir.

Muito tempo depois, Rijane,a madrinha do Bazar do Desapego, me ensinava que presente bom mesmo é quando ele ganha significado.  Fora isto, ele só passa a fazer parte das bobagens que se vai juntando na vida.

Ontem, repetindo a tradição, ganhei um punhado de brinquedos de aniversário.  Se você quiser me dar uns, ainda dá tempo.  Depois, eu e Tomás vamos levar pros meninos que não ganham brinquedos.
Fala se tem alguma coisa melhor do que isto?


[1] Não tenho a menor ideia de qual era a unidade monetária da época nem quando valeria hoje os famosos 3.500 seiláoquê.

[2] A bem da verdade, nos meus sufocos, mamãe já deve ter me pago uma boiada...



quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sério?


Sempre tive muito medo, com esta minha mania de contar mentiras, que Tomás pegasse gosto pela coisa.  Mas fico muito satisfeito, orgulhoso mesmo, vendo ele fazer a distinção entre brincar de delírio e faltar com a verdade.  Tomás incorporou bem esta cisão, que eu acho vital no caminho da gente atrás da felicidade.

Descobri isto, brincando com ele no meu quarto, depois do banho.  Enquanto eu enxugava o menino, ele de costa pra janela, fingi um medo repentino e, pasmo, falei:
-  Tem um ninja na janela!
Tomás, claro, virou-se, rápido como o objeto da conversa, e eu, sem perder o pique, emendei:
-  Ele é como um raio.  Já foi embora.
E, como se não tivesse acontecido nada, continuei meu ofício de avô, arrumando o menino.

Tomás, com um leve esgar lhe rasgando a cara, perguntou:
-  Sério?
Claro que era sério, eu falava.  E repetia a brincadeira umas três vezes.  Em todas as três, Tomás virava pra janela, sorria e me perguntava:
-  Sério?
Foi assim que o código ficou estabelecido.

Outro dia ele chegou do Clic e falou comigo:
-  Vô, tinha um crocodilo na torneira do banheiro dos meninos.  Mas só eu que vi!

Foi minha vez de retribuir.  Perguntei pra ele:
-  Sério?
O menino não coube em si de contentamento.  Foi contando uma história cada vez mais fantástica do crocodilo, ele negociando pro bicho não sair porque ia assustar os colegas, convencendo a tomar o caminho de volta, torneira adentro...
-  Sério?, eu perguntava.
E lá ia ele enriquecendo a história, feliz em me deixar ali, brincando de morrer de medo.

Agora é assim: sempre que um quer avisar o outro que lá vem um ninja ou algum outro exercício delirante, o código é sempre este:
-  Sério?, seguido do sorriso.

Legal é que a gente guardou a intransigência do compromisso com a verdade.  Só pode brincar de inventar quando se lança mão do código.  Ainda não ocorreu nem uma vez de ele me mentir, sem lançar a mão do artifício.
E olha que ele é marrento.  Quando fala que não fez, não fez mesmo.  
Encara as consequências até o final!




Crédito da foto do ninja pra Tia Sophia Oliveira, um ás no gatilho

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Assez!



Francês fala assim, quando fica de saco cheio.  Eu ando desse jeito com Isadora, minha veia bailarina.  Não deu nem dois anos que Zé Vicente, meu personal cardiologist, desentupiu a bicha, e ela já veio encher o raio do meu saquinho.

Diz o ecodoppler que ela se mostra trombosada dos 8 cm a 11,5 cm acima da prega do cotovelo, ocorrendo oclusão total dos 8 cm aos 10 cm.  No popular:  entupiu geral.

Com o jeito abusado de sempre, Zé garroteou meu braço, deu tapinha aqui e ali, olhou pra mim e só então abriu a boca para o veredicto final, sério:
-  Você não consegue perder uns kilos não, rapaz?
O rumo da prosa não era novo pra mim.  Contei que, ao longo da minha vida, eu já devia ter perdido uns 320 kilos.  Ruim é que, sistematicamente, ganhava quase tudo outra vez.

Meu sentimento é que ele desistiu da conversa e se deu por vencido. Marcou logo a operação e lá fui eu, de novo, pro Zé e o povo dele me colocar dois stents zero bala.  Um, pra veia e um, pra artéria.

Acho que fiquei umas quatro horas com o braço estendido e ele me enfiando caninho,soprando balãozinho pra o resultado, no final, ser este que você vê aqui.


A resposta foi imediata.  O sangue, não encontrando mais a barreira da anastomose, abre um fluxo novo.  Isadora perdeu toda sua importância.  Não dependo mais da chatura dela pra minha hemodiálise.  Tá jorrando bonito...

Assez, Isadora.  J’en ai ras le bol![1]




[1]   Em homenagem a Kátia Becho, minha linda, que anda por lá.






sábado, 22 de setembro de 2012

Rapidinhas 14 - Primavera



Lisa me ligou duas vezes do Rio, hoje.
Ela já está cansada de saber da novidade. 
Quer dizer, novidade médio.  Acho que foi em 77 que eu aprendi a celebrar a vida com o Herval.  E, de lá pra cá, é sempre assim.
Depois que todo mundo vai dormir, eu corro ao banheiro e me barbeio para que o primeiro raio da manhã do dia 22 de setembro me encontre de cara limpa.

No começo era brincadeira.  Depois entendi a importância que tem pra mim a celebração da vida.

Feliz vida nova pra você e pra mim.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Bah, remédios, ...



Eu sempre fiquei muito incomodado com a espiral perversa que acontece quando você está doente.
Os remédios mais caros, que são  um direito constitucional, garantíveis com apoio jurídico do Ministério Público, me foram conseguidos pela ação competente daminha personal attorney, Dra LilianBeatriz.

Mas aí começa a tal espiral.  Lilian, irmã da Lisa, não aceitou me cobrar um pluto.  Quer dizer, a gente, que tem amigo influente e gente fina, resolve a coisa na boa.  Agora, se você é pobre, fica morrendo de medo de recorrer a advogado e acaba perdendo a possibilidade.

Esses dias dei pra me defrontar, de novo, com a espiral perversa.  É que a maior parte dos remédios que eu tomo estão sendo distribuídos nos postos de saúde.  Só que, de maneira recorrente, falta um, às vezes falta outro, às vezes faltam vários.  Quase nunca minha lista é entregue completa.
Tudo bem.  A gente acaba comprando o que falta.  Mas é duro ver gente saindo do posto de saúde, arrasada, por não encontrar o remédio que precisa e não tem grana pra conseguir.

Agora a coisa piorou.  Até Ruy Castro reclamou, numa crônica dele da semana passada, da moça da farmácia que dizia assim:  "A importação desse medicamento foi descontinuada".  A crônica fala sobre a confusão que as farmácias viraram, disputando clientes com os supermercados e abandonando o que nos parece, a mim e ao Ruy Castro, sua vocação original, que é resolver nossa necessidade de medicamentos.
E completa ele:  “Não precisa ser algo complicado, como um dentifrício especial para boca seca, ...”
Imagino que ele esteja se referindo à Biotene que eu já bati palmas aqui,  em um comunicado de interesse público no post citado anteriormente.

Não há Araújo ou DrogaRaia que resolva meu problema.  Nem se você for rico agora pode comprar, com esta história de fornecimento descontinuado.

Se você estiver indo ou voltando dos Estados Unidos ou da Europa, compra logo umas duas ou três pastas de dente e manda a conta pro meu cartão, por favor.

Ando apavorado, com medo de não arrumar uma forma de tratar bem minha boca, sem ser bebendo água.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Gentileza Urbana



Melhor seria se o título começasse com Falta de.
É que eu ando cada vez mais sem paciência com a arrogância das lojas em Belo Horizonte, quando elas pensam que as calçadas fazem parte de seus domínios.

Outro dia descasquei aqui nest’A Saga, entre outras, as duas lojas da esquina da Bernardo Figueiredo com Afonso Pena, que, assim me parecia, preferiam perder as árvores de seus passeios a perder o lugar para que seus clientes pudessem, com seus carros, expulsar os pedestres. (Ops, quase falei transeuntes).

Fico morrendo de dó do velhinho que agora mesmo eu vou ser que, não tendo como andar nas calçadas, vai ter, agora mesmo, que disputar espaço com os carros, nas calçadas e nas ruas, correndo o risco de levar um safanão que o transporte direto, na melhor das hipóteses, para um CTI.


Curiosamente (e claro que não foi o poder dos leitores dest’A Saga), os gestores d’A Tabacaria [1] resolveram a questão de um jeito mais civilizado.  Alugaram um lote na Afonso Pena, em parceria com a Vídeo Dumont, e colocaram à disposição dos clientes.  Do jeito que gente do primeiro mundo faria.


Enquanto isto, sem aprender a lição, a loja de lingerie da esquina nem dá bola.  Já vi umas duas vezes o pessoal da BHTrans aparecendo para multar.  Mas, de novo, minha impressão é que a ganância encarregou um vigilante de amaciar a ação dos fiscais e de mobilizar os eventuais comprantes para, em caso de blitz, fugirem rapidamente das merecidas multas.


Parece que a função dele é a mesma dos camelôs gritando “olha o rapa”, pra dar tempo de ninguém ser pego.


E só carrão de bacana, olha pra você ver.  Tinha tudo pra ser primeira página do blog que Maurilo [2] tinha, o Boa, Filhão, especializado em abusos deste tipo...




[1]  Aproveito e recomendo o almoço de lá.  O prato executivo fica a partir de R$17,00 e a parrilla é fantástica.  Coisa do Weberson, que foi meu aluno no Turismo da PUC.




ps:  Adoro, quando vejo Tomás cantando e entendendo esta canção.  Foi Laurinha Martins que me lembrou que isto é uma aula de ética pra crianças.  E é mesmo!