domingo, 30 de maio de 2010

Festa no berçário - 78



Nossa família é sempre muito inconveniente.  O principal código nosso é, na hora do stress, rir.  Mas não é sorrir, elegante, como você faz.  É gargalhar de forma tão compulsiva, tão contagiante que, ou a pessoa interage ou cai fora.

Isto vale pra festa e pra enterro.  Pra hospital, então, cai como uma luva.  É só um de nós ficar nervoso e acaba com a gente danando a ter convulsão de riso.  Parece até o Mercado Municipal, no sábado ao meio dia.  Uma verdadeira fuzarca.

Quando mamãe operou de um câncer no seio, virou festa.  Nesta minha operação, outra.  A gente até, acho que sem querer, fazia isto no domingo, no Círculo Militar.  Na hora que a gente chegava, não tinha mesa e cadeira pra todo mundo.  Sentava um, e começava a rir.  Ia chegando, o riso aumentando.  Quando a gente olhava, havia se aberto uma clareira em nossa volta.  Aí era só ir ocupando o lugar.

No berçário foi meio que assim.  Cheguei eu, Flavinha, Regina, depois Ciça, e a tensão aumentando.  Nossa e das enfermeiras.  De repente, começou uma risadaria que num minutinho o pai da Isadora, vizinha de berçário do Henrique, parecia que era amigo nosso desde pequenininho.  As enfermeiras pedindo a gente pra fazer silêncio, mas com um sorriso cúmplice no rosto que aniquilava qualquer tentativa de colocar ordem naquela balbúrdia.

Mas correta um pouco que o pai, Ciça tentava por ordem na coisa.  Tudo bem.  Eu sei que não tem graça e que hospital é lugar de silêncio.  Mas é da nossa natureza.  Fazer o que?
Não tinha jeito era de ficar em silêncio, comportados, atendendo a uma liturgia que, naquele momento, não fazia o menor sentido pra gente.

Mas agora, guardado um mínimo de distanciamento crítico da situação, ver o Henrique ali, distribuindo aquela quantidade de beleza, acho que a gente foi até discreto.  Chegou até a pintar um climazinho entre a Isadora e ele.

Ia dar um casalzinho dos bem bonitinhos, aqueles dois...


sábado, 29 de maio de 2010

Pós Adolescência - 77



Deixa eu contar pra você direito como foi a história. 

A gente estava indo levar Gêisa no consultório.  Saímos de casa meio na correria - coisa típica da Gêisa.  Ciça, traíra, já estava aboletada do lado dela, só rindo da minha correria.  Tinha que ser agora, porque meu compromisso é agora, não posso esperar, e se você quiser, me encontra na garagem AGORA... 
Enfim, a ladainha de sempre.

Lá fui eu, com a tromba do tamanho da pressa dela.  Entrei no carro emburrado e fui o trajeto todo sem abrir a boca.  As duas puxando assunto e eu rosnando, sem a menor vontade de render assunto - coisa típica minha que, soberbo, fico achando que ficar sem conversar comigo é o castigo mais duro que eu posso dar a uma pessoa.

No meio do caminho, o telefone toca.  Era Flavinha, que havia disparado mensagem pra família toda, avisando do nascimento do Henrique.  Tadinha.  Deve ter gasto o salário de uns dois meses, pra avisar todo mundo.  Familinha grande, esta nossa...

Nisto, a gente já estava na Francisco Sales com Brasil, com o sinal fechado.  Todo seguro de si, falei, absoluto:
-  Vou descer aqui.  O filho da Duda nasceu.
Ciça queria vir em casa, pra pegar o presente que já estava adrede preparado.  E Gêisa, sobretudo, não queria me deixar descer ali, no meio dos carros.

Não quis nem saber.  Deixei as duas gritando no carro, não faz isto, não faz isto, e desci pra ver a Duda.  Quer dizer, o Henrique.  Sai do carro feito macho.  Mas não tinha a menor graça, chegar lá sozinho.
Voltei, feito uma franga.
-  Decidi preservar o sentimento de família.

Ciça, no estado da arte da crueldade, falou:
-  Desistiu de adolescer, pai?

Na hora, preferi ficar calado, pensando numa resposta à altura.

Estou calado até agora...

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O primo do Tomás - 76


Dr. José Maria era irmão do papai.  E dona Hyde, mulher dele, irmã.  Quando eu estudava no Loyola, era a Rural de dona Hyde que sempre me pegava no meio do caminho, de carona.  Eu só nunca entendi porque eu não ficava na Contorno com Amazonas, esperando.

Não.  Tinha que ir andando...

Hydinha era a coisa mais linda do Calafate.  Acho que do mundo, pra mim.  Um dia, Hydinha ficou grávida e o mundo quase acabou.  Um deus nos acuda.  Até o menino nascer.  Quando o menino nasceu, Hydinha colocou o nome nele de Zémaria.  E acabou que todo mundo deixou de lado todas as mazelas e o menino voltou a ter o que é o papel de todo menino novo:  a coisa mais linda do mundo.

Ontem nasceu o primeiro primo do Tomás.  Filho da Duda.  Eu e a Tonta caimos no choro, quando nos encontramos.  O menino tinha tudo pra ser feio, com a mãe que ele tem.  Cheguei na Otaviano Neves, e ele lá no berçário, reinando, lindo...  A coisa mais linda do mundo.  Duda dizendo que a boca dele tinha sido puxado dela.  Eu, meio confuso, achei que as cinco crianças que estavam ali tinham a boca igualzinha à da Duda.  Acho que fiquei insensível, como a Lisa.

Eu até achava que Paulo César era um nome que cairia muito bem.  Mas não.  O nome do menino vai ser Henrique.  Que, pensando bem, cai muito melhor.  

Engraçado que há pouco tempo atrás a Gêisa tinha mudado o quarto que era do Diogo do Meu Sítio.  Colocou duas camas e um bercinho, pro Tomás dormir sozinho, mas perto da gente.  E Tomás, desde então, dizia que aquele quarto era dele e do filho da Duda.

Vai ser uma disputa de beleza, aqueles dois dormindo ali.  Tomás está doido pra ele crescer depressa, pra aprender a andar a cavalo e eles saírem correndo feito dois malucos.  E eu, doido pra ver Flavinha feliz, babando, igual eu fico.

Nós todos desejamos muito leite morno e fralda larga pro Henrique.  Não tem felicidade maior que esta, pra nós todos.


domingo, 23 de maio de 2010

Eu avisei . . . - 75



Você não faz idéia do que é advogada brava.  E o povo foi logo fazer pirraça com a Doutora Lílian Ribeiro, minha personal attorney.  Doutora Lílian foi colega de escola da Lisa e desde então as duas são irmãs.  E eu, de quebra, ganhei uma advogada brava que é a maior beleza.

Isto tudo é só uma brincadeira pra dar uma informação da maior relevância pra paciente renal como eu. 
Nando, meu irmão, está com um colega de trabalho nestas condições e eu não soube como orientar ele direito.
Descobri na net um passo a passo legal sobre como conseguir.  O endereço é http://br.answers.yahoo.com/question/index?qid=20080204064631AAFHdaF

Olá Iara, você sabe como adquirir o Sutent de forma gratuita?

Meu cunhado tem câncer de rim com metástase e foi prescrito o medicamento Sutent, que custa cerca de R$ 15.000,00[1] a caixa com 28 comprimidos. Alguém sabe o procedimento para que o governo forneça o remedio?

Melhor resposta - Escolhida pelo autor da pergunta

Aqui vai um passo a passo:
"1º - A pessoa deve se dirigir ao Núcleo da Defensoria Pública, onde será formalizada uma ação judicial para aquisição de um determinado tipo de medicamento. O nome da ação que deverá ser efetuada será Ação pelo procedimento ordinário, com pedido de antecipação de tutela (que significa que você poderá receber o medicamento antes mesmo da Sentença do Juiz).
2º - Com a abertura desta ação o paciente receberá o número do protocolo referente à ação. Esse número lhe permitirá acompanhar o seu processo no Fórum.
3º - Ir ao Anexo do Fórum na data que foi marcada para retorno, no cartão de protocolo da Defensoria, para consultar o andamento do seu processo.
4º - Em posse dos dados referentes ao seu processo, você será encaminhado ao Defensor de uma Vara específica.
5º - Se a antecipação ou sentença foi aprovada, a Defensoria encaminha uma intimação à Secretaria Estadual ou Municipal, para cumprimento da antecipação de tutela ou da sentença da ação. Tão logo a Defensoria lhe informe sobre o deferimento, você deverá ir à Secretaria Municipal de Saúde (Setor de Mandado Judicial) ou na Secretaria Estadual de Saúde (Setor de Farmácia), no horário determinado.
6º - Se o medicamento é um medicamento que já está cadastrado no SUS, a compra é mais rápida (não precisa de licitação) e você recebe mais facilmente. Quando o medicamento é importado, excepcional ou não está cadastrado no SUS, ele precisa ser comprado por meio de licitação.
7º - Antes de o seu medicamento terminar, é importante que você solicite à Secretaria uma nova compra de medicamentos, evitando que ocorra um hiato no fornecimento e você corra o risco de ficar sem medicamento."

Como todo portador de câncer tem direito a atendimento judiciário prioritário também seria interessante ler esse texto abaixo:

"A necessidade de priorizar o andamento de processos judiciais de determinados casos foi reconhecida na reforma do Código de Processo Civil. Antes, as determinações finais de alguns processos eram tão demoradas que, não raramente, seus efeitos atingiam os herdeiros e não mais os requerentes iniciais. Agora, em casos como o de pessoas acima de 60 anos, pacientes portadores de doenças como o câncer e outras doenças crônicas em estado avançado, os procedimentos judiciais e administrativos têm prioridade.

No caso de processos judiciais, o primeiro passo é solicitar ao advogado que requeira, judicialmente, os benefícios da Lei 10.173, de 09 de janeiro de 2001. No caso de processos administrativos que não necessitam de advogados, o próprio paciente poderá requerer o andamento judicial prioritário.

A documentação necessária é a que segue abaixo:
- Laudo médico em que conste o CID (Classificação Internacional de Doenças) da doença;
- Exame anatomopatológico ou histopatológico, conforme o caso. "

Dra. Lílian falou que as confusões que os caras aprontaram com ela valeu como se fosse uma faculdade.  Foi aí que o Valente ajudou Dra. Lílian a sair distribuindo porrada na burocracia pra garantir o remédio pra mim.  Passo a palavra direto pra ela:

“Na verdade o processo para o ajuizamento da ação para solicitar o fornecimento do Sutent é esse mesmo. Antigamente era bem mais fácil conseguir e hoje em dia estão dificultando muito. No seu caso aconteceu isso. Vamos lá, deixa eu tentar te explicar (aprendi demais com o seu processo. Aconteceram coisas que jamais previa):

Ajuizei uma ação contra a Fazenda Pública do Estado de Minas Gerais. Antes mesmo do MM Juiz analisar o pedido de antecipação de tutela, extinguiu o processo sob alegação de que a responsável pelo fornecimento de medicamento relacionado a tratamento oncológico é a União. Dessa decisão, interpus um recurso denominado Recurso de Apelação e paralelamente, ajuizei uma ação diretamente no TJMG chamada Medida Cautelar requerendo a disponibilização imediata do medicamento, que foi deferida. Desse deferimento, o Estado de Minas Gerais interpôs um recurso chamado Agravo Regimental, sendo dado provimento para cassar a decisão que deferiu o pedido de disponibilização imediata do SUTENT. Dessa decisão, interpus outro recurso chamado Embargos de Declaração e, posteriormente, Recurso Especial e Extraordinário diretamente no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF) que ainda não foram julgados.

Ocorre que, como esses recursos interpostos não têm efeito suspensivo (na linguagem popular – não tem o condão de reverter a decisão que cassou a decisão que deferiu a concessão do medicamento imediatamente), ajuizei uma ação contra a União na Justiça Federal. Novamente, antes mesmo de analisar o pedido de antecipação de tutela , o MM Juiz extinguiu o feito sob alegação de que a competência para o fornecimento do SUTENT seria do município (olha que absurdo!!!!!). Então, interpus também um recurso de apelação e concomitantemente ajuizei uma Medida Cautelar no Tribunal Regional Federal (TRF1) em Brasília, que deferiu a disponibilização do medicamento. 

Mas agora deu tudo certo!!! Graças a deus!!!”


A rodada de baiana da minha personal attorney fez o Sutent chegar aqui em casa, vindo de avião acho que de Brasília.  Agora, eu complemento:  se você for pobre, pobre, de marré, marré, marré, e tiver medo disto custar caro, procura a Defensoria Pública que eles arrumam um advogado que compre esta briga por você. 

Não prometo que vai ser boa igual Dra. Lílian[2], mas deve ficar perto...





[1] Isto deve ter uns três ou quatro anos.  Hoje já está em R$ 28.000,00.  Fala se não é sacanagem?
[2] Daninha, irmã da Dra. Lílian foi colega do Diogo na faculdade.  Diz ela que Dona Beatriz fica toda orgulhosa, vendo a filha dela brava.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Edição Extraordinária 14 - É com você, Brasil!


Enganei meio mundo, aposto. 
Este post não é o que você está pensando.  É sobre a Lisa.

Lisa é a maior inventadeira de moda que eu conheço.  Quando assume a responsabilidade por qualquer coisa, todo mundo passa a se chamar Brasil.  É um tal de vamos lá, Brasil; vambora Brasil;  já terminou, Brasil?
Ou então chama as pessoas de produção.  Pegou a chave, produção?  Agiliza, produção.

O nome do meio dela devia ser Novidade.  Maria Novidade Elisa.

Eu fico o tempo todo me esforçando pra ver se descubro uma novidade antes dela.  Sempre perco...
Imagino que o povo da Lápis Raro fique se deliciando com a coleção de coisa nova que ela descobre.  Bom é que, se não descobrir, inventa.  O que, pra mim, deve ser o ponto forte dos planejamentos de comunicação que a Lisa faz pros clientes dela.

Outro dia ela me trouxe esta pontinha de esperança.  A prova viva de que o post do Ipê não era tão Pollyana Moça assim.

Do mesmo jeito inventador de moda que eu dizia lá em cima, o recado veio assim:
-  ó aí ó, blogueiro:
E o endereço da notícia no Globo.
seguido de um beijo.

Curioso foi que a minha outra fornecedora de novidade, a Bonequinha de Porcelana, mandou uma palestra fantástica do TED justo no dia seguinte, sobre como nosso corpo reaje ao câncer, com ajuda de uma escolha boa da nossa parte.  Faz um exercício com seu inglês e assiste aê.  O endereço é http://video.ted.com/talks/podcast/WilliamLi_2010.mp4

Aproveita e salva o endereço em Favoritos porque as palestras do TED são sempre fabulosas.



quarta-feira, 19 de maio de 2010

Seu Rui - 74


Este post já estava pronto na semana passada.  É que eu ando conversando muito com o Guguta, irmão do Marcelo, quando ele me contou esta história.  Ela é a cara da pureza deles.
Fiquei na maior dúvida se censurava ou não.  Resolvi que não.  Se você achar que é muita rasgação de seda, não dou nem bola.  Não é todo dia que um livro é dedicado pra gente...  Então lá vai:

Seu Rui era o pai do Marcelo.  Foi dele, claro, que Marcelo herdou aquela delicadeza toda que incorpora nas ilustrações com massinhas, deixando as crianças viajandando (eu, incluído).

Seu Rui era dentista.  Aqui em Belo Horizonte, era o dentista do Sindicato dos Motoristas de ônibus.  Nunca conseguiu caminhar, indo pro consultório.  Antes de chegar no primeiro quarteirão, um motorista sempre abria a porta da frente, privilégio que antigamente era dado só para os muito chegados (que, com isto, ficavam liberados de pagar a passagem)

Lá por 1940 e poucos, seu Rui passou por um perrengue brabo.  Morando em Ipanema[1], perto de Caratinga, cadê que o dinheiro dava pra criar aquela quantidade de filho bonito que ele tinha posto no mundo.  Só tinha um jeito.  Seu Rui foi tentar a vida em Vitória.

Chegando lá, começando vida nova, fechar as contas no fim do mês estava difícil com força.  A solução veio do amigo Antuer, proprietário do Laticínio Reutna[2], em Caratinga.  Mandou um saco com queijo, manteiga, mais um punhado de produtos pra Seu Rui tentar vender e ajudar nas contas.

Com sua pureza, seu Rui morria de vergonha de sair na rua, vendendo o presente do amigo.  Aliás, ia morrer de vergonha de vender qualquer coisa.  Armou uma estratégia infalível:  ia vender os produtos na praia mais distante, onde seguramente não tinha a menor chance de encontrar alguém conhecido. 
Na época, a Praia da Costa era o fim do mundo.  Seu Rui foi pra lá um pouquinho, por via das dúvidas.

E viu uma casinha lá longe.  Era onde ele iria oferecer, pelos trocados que conseguisse, aquela carga que fazia seu Rui suar como um condenado.

Seu Rui bate na porta.  Depois de um tempo, que pareceu uma eternidade, a porta se abre.  A pessoa abre um sorriso imenso e diz:
-  Doutor Rui, que alegria ver o senhor aqui!
Era uma família de Ipanema, que estava ali passando férias.

Seu Rui nem titubeou:
-  Mandaram esta encomenda pra vocês.  Tive um trabalhão danado pra achar o endereço...
E deixou com a família toda a carga que trazia, de pura vergonha.

Mas saiu dalí, feliz, certo que ia ter que resolver a vida com seu ofício de dentista.

Seu Rui criou os filhos todos, deixando de herança a capacidade de extrair felicidade em qualquer situação que eles se defrontassem.  Conheço quase todos.  Diria que seu Rui fez um belíssimo trabalho, colocando os filhos dele no mundo e me ajudando a ir construindo o Espírito do Valente.

 


[1] Atrevido, Marcelo sempre fala que ele é o Garoto de Ipanema.  E fica rindo, certo de que a pessoa jura que ele está se referindo a algum surfistazinho mal arrumado...
[2] Reutna, você já percebeu, é o nome do proprietário, de trás pra frente.

domingo, 16 de maio de 2010

Edição Extraordinária 13 - Meu amigo mais antigo

Marcelo foi meu colega de faculdade.  Depois foi meu padrinho de casamento e desde 1971 não teve um dia que eu não olhasse pra ele e ele não estivesse rindo pra mim.

Você tem duas coisas pra fazer pra conhecer o Marcelo.
Uma, ler o post Minha turma, onde ele desliga o telefone na minha cara, (tu tu tu, como disse a Lisa) outra, conhecer o conceito do pacotinho, onde, por causa do Marcelo, entendi que São José era o patrono do Valente e quem melhor cuidava de mim. 
Ou uma terceira, que é ir atrás de um dos 15 a 20 livros que Marcelo Xavier escreveu só pra criança, de 0 até quantos anos você quiser.

Sábado, estou eu no Meu Sítio e Ciça me liga, falando de um documento que Marcelo tinha deixado pra mim.
Fiquei preocupado.  Que documento é este?
Está dentro de um envelope escrito "confidencial", com letra grande, disse ela.

Cheguei hoje, domingo, e o envelope olhando pra mim.  Abri ele, meio apreensivo, e estava lá, a primeira surpresa:




Era o livro novo dele.

E como se não bastasse, quando eu abro o livro, a segunda surpresa.



Telefonei pra ele mas não adiantou muito.

Amanhã, quando eu parar de chorar, a gente se fala ...

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Redenção - 73



Eu sou muito mentiroso.  Contumaz.  Compulsivo mesmo.
Mas mentira do bem, só pra incrementar um caso.  Nada que tenha muita relação com faltar com a verdade.
Não é a mesma coisa.

Meus filhos ficam na maior falta de paciência com as firulas que eu acrescento numa história e começam logo a virar os olhos, impacientes, quando eu, entusiasmado, assumo a palavra.
É quase como se eu escutasse eles dizendo com os olhos:
-  Lá vem ele!!!

Outro dia eu estava assistindo a uma apresentação de Ariano Suassuna onde ele falava da riqueza da mentira e da absoluta dispensabilidade de se pegar o mentiroso no pulo.  Dizia ele o quanto João Grilo era astucioso, mas criador mesmo era Xicó.  Xicó, inventivo, enxergava portas onde elas não existiam.

Ariano contava a história de um cara, em Taperoá, que vivia mentindo.  Até que chegou um sujeito implicante e encarou:
-  Esta história sua não é verdade não, que eu estava lá e vi.
Aí os dois começaram um é, não é que já quase causou a sacada da peixeira.

Foi quando o mentiroso falou:
-   Muito bonito isto que você fez.  Todo mundo aqui em Taperoá sabe que eu minto.  Agora está todo mundo constrangido.  Eu, constrangido, o pessoal aqui, constrangido... 
E virou-se pro povo, que assistia atento, e disse assim:
-  Me digam uma coisa.  Vocês gostam mais das minhas mentiras ou das verdades deste besta?

Aí todo mundo aplaudiu o mentiroso e o besta teve que sair.

Recomendo que você assista ao filme Peixe Grande.  É minha biografia, filmada.  Nele você vai entender o que eu chamo de mentira.  E talvez entenda como e porque eu minto tanto.  De quebra, preste atenção em Xicó, n’O Auto da Compadecida.

Meus irmãos andam me criticando muito, falando que boa parte do que eu conto aqui é mentira.  Principalmente quando eu falo dos meus outros irmãos.  Eu tenho pra mim que eu gosto mais dos meus casos aqui, quase todos com uma cota de exagero, digamos assim, incorporada, do que do rigor histórico exigido por eles.
E é melhor que você também ache o mesmo.  Senão, você não volta mais aqui...

terça-feira, 11 de maio de 2010

Maurilo, o inalcançável - 72

Foi por causa do Maurilo que este blog nasceu.
Vai lá no post "O dia que eu morri" que você entende.  Naquele momento eu comecei a juntar histórias.
O problema é que a gente nunca consegue ganhar do Maurilo.
Quando eu começo crescer meu número de seguidores, ele já multiplicou por 3, os seguidores do Pastelzinho.

No dia das mães, insuperável, Maurilo colocou esta declaração de amor pras duas mães da vida dele:

"Eu tive a sorte de crescer com uma mãe que acompanhava cada passo meu, que exigia sempre mais e que nunca aceitava desculpas quando eu não dava o máximo de mim.

Minha mãe fazia isso tudo com carinho e com firmeza e sempre deixou claro que muito mais dependia de mim e do meu esforço do que eu próprio queria acreditar.

Hoje, eu tenho a sorte de conviver com outra mãe. Igualmente carinhosa e igualmente firme quando isso significa ajudar a filha a ter confiança e saber que pode ser uma pessoa melhor.
É engraçado como o olhar sobre uma mãe muda quando se é filho ou companheiro. As expectativas são outras, sua influência sobre o "cargo" delas é diferente, sua percepção dos objetivos de cada ato é diferente.

Eu sou extremamente abençoado quando se trata de mães, seja com a minha, seja com a da minha filha. Isso sem falar nas avós, tias e tantas outras que fizeram parte da minha vida.
Não é a homenagem mais original, mas é uma admiração que não tem tamanho. Wanda e Fernanda, vocês são muito maiores do que imaginam. Amo vocês."

Vou mudar o nome da Dona Wanda pelo da Mamãe e o da Fê pelo da Gêisa e vou falar que fui eu que escrevi, pra ver se cola.  Não consigo conviver com o fato de não ter sido eu o autor deste texto.
 
Pra minha sorte, Tomás já me vingou.  É que meu neto estuda na mesma escola que a Sophia, filha dele.
Um dia eles se encontraram na porta e Maurilo, todo cordial, puxou assunto:
-  Oi Tomás.  Eu sou amigo do seu pai desde quando ele tinha cabelo.
 
Tomás olhou pro pai, e devolveu, bravo, na lata, pro Maurilo:
-  Não tinha não. Seu bobo.  Meu pai sempre foi assim.
 
E foi embora, inimigo mortal do Maurilo, pra sempre.
O menino, novinho, já virou um velho resmungão...

domingo, 9 de maio de 2010

Bebê chorão - 71



O trabalho que a Ada, minha personal dentist, fez com minha boca é sensacional.  As aplicações de laser que ela faz zeram, por completo, os efeitos do Sutent na minha boca.
Acaba a secura, acaba a mucosite, acaba com a boca seca, acaba com tudo.

Mas não pense que, com isto, o Sutent entrega os pontos.  Muito espertinho, ele logo, logo, arranja um outro jeito de manifestar o efeito colateral.  E desta vez ele veio, forte, em uma coceira na canela.  O troço é tão forte e arrasador que acabou ulcerando uma pontinha na minha perna.

O troço dói, mas dói, que tem hora que, quando não tem ninguém perto, eu aproveito e choro, escondido no meu  cantinho.
Aí, lá fomos, eu e Ciça, pedir o parecer do Leco, meu personal oncologist.  Leco arrumou um espaço de agenda rapidinho e lá fui eu, manquitolando, apoiado na bengala de um lado e na Ciça, do outro.

A consulta estava marcada pras 05:15.  De nervoso, insisti com a Ciça pra gente ir mais cedo e ficar lá disponível, pro caso do Leco ter alguma alternativa antes da hora.
Mas justo naquele dia, Leco tinha chegado com uma hora e meia de atraso.  Complicações operatórias no hospital.  Acabou que eu fui atendido já quase sete e meia da noite.

Leco já controlou a situação, no ato.  A gente ia suspender o Sutent até a cicatrização completa da úlcera.  De garantia, pediu um raio x e um ultrasom abdominal.  Já tinha 4 meses que eu estava assimptomático mas não era bom brincar com este câncer.  E, na hora, conseguiu que um cirurgião plástico da turma dele do Felício Rocho me atendesse, no dia seguinte.
Saí de lá exausto, mas feliz com o encaminhamento da coisa.

Chegando no elevador, meio de stress, meio de cansaço, ensaiei um choro.
Ciça fechou a cara e falou comigo, meio brava meio me gozando:
-  Engole este choro, menino.  Engole este choro ou eu chamo o Leco pra você!

Com medo do vexame, achei melhor rir da situação e deixar o choro pra depois.

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Edição Extraordinária 12 - Dia das mães



Tomás beira à loucura, quando a gente vai pro Meu Sítio.  Aliás, ele sempre briga quando falamos Meu Sítio.  Ele corrige logo:
-  É meu!

Isto acontece com a vaca, com as éguas, com os cachorros, as galinhas...
Tudo dele.

Quando muito, é dele, da mamãe, do papai, da vovó e do vovô.  Nesta ordem.

Chega lá, ele vira rei.  Fica com a cara feliz desta foto, que, até agora, é a minha preferida.

Certo de acertar em cheio, fiz um caderno chiquérrimo com esta foto na capa, pra ele dar pra Carol, paisagista de mão cheia, no Dia das Mães.

Chamei ele escondido no meu quarto e perguntei se ele queria dar o presente pra mamãe.

Tomás destampou a chorar.  Instalou-se o maior tandepá no meu quarto.  Ele queria dar era o paninho de uva, que ele estava fazendo, e que estava lindo, e que já estava quase pronto, e que ele gostava mais era de fazer o paninho.
Uma decepção só...

Carol, claro, correu pro quarto, quando ouviu o berreiro.
Entendeu tudo, no ato.

Por via das dúvidas, foi clara e me deu o seguinte recado:
-  Você tem até domingo pra se entender com ele.  Eu quero MUITO este presente!!!



quinta-feira, 6 de maio de 2010

Prato do dia - 70



Uma vez, na Fundação, o Helinho, professor de português, foi preparar a gente pra escrever melhor um pouquinho melhor.
Teve uma intervenção dele que me marcou muito.  A gente não tinha que entender.  Tinha que absorver. Coisas do tipo “vem sempre m antes de p e b”.  Aí, ele ficava que nem professor de aeróbica, levantando e abaixando os braços, e repetindo: 
-  Vem sempre o m, antes de p e b!
E a sala toda, como se estivesse malhando, repetia esta e mais um punhado de regras indiscutíveis, incompreensíveis e, acho eu, injustificáveis de português.

Fiquei assim, com minhas recomendações relativas a comida.
Desisti de entender e passei a decorar.  Foi o melhor jeito de eu me dar bem com as restrições.
Só pra você ter uma idéia:
Melancia pode, mamão só no dia da hemodiálise e melão não deve ser consumido.  Pra mim, é tudo da família do pepino (que, aliás, é permitido) 
Vai entender..

Sódio é um veneno, pra mim.  Significa que qualquer coisa industrializada, melhor deixar pra lá.  Aí entra embutidos, enlatados, molhos, comidas congeladas e tudo que engorda.  Maravilha, digo eu.  Mas aí vem você com sua boca de azar e fala:  E o sal?
E eu, com minha boca de Pollyana Moça, respondo:  Corta fora.  Descubra o puro sabor das coisas, nenén!!!
Mais objetiva, Gêisa inventou um tempero de ervas e alguma poção mágica que tem feito os meninos disputarem meu frango, de tão gostoso.

Como os rins são os responsáveis pela excreção do excesso de potássio ingerido, tudo que tem muito potássio, melhor evitar.  Inclui aí banana, goiaba, açaí, manga e mais um punhado de frutas.  Mas recomendam abacaxi (que eu adoro), acerola (que eu adoro), caju (que eu adoro), maçã (que eu adoro), melancia (que eu adoro), pêssego (que eu adoro) e ameixa (que eu adoro).  E limão, que eu adoro, pra suco e tempero.  Assim já começa a dar pra ser feliz.
O que eu não sabia é que carambola é um veneno.  Tem uma substância tóxica que pra você é desaconselhável.  Pra mim, pode resultar em complicação neurológica, câimbra ou até mesmo parada cardíaca.
Sai fora, carambola!

Alface, mostarda, repolho, agrião, acelga, brócolis e couve flor são bem vindas.
Agora, espinafre, não.  Nem faz esta cara, que eu também não entendi...
Batata-inglesa, batata-doce, mandioca, inhame, só pode no dia da hemodiálise, mesmo assim, em pequenas quantidades.  Mesmo assim, descascando e desprezando a água do cozimento.
Agora, chuchu e abobrinha, pode.
Resumo da ópera:  Gêisa inventou uma lasanha de abobrinha que é pra comer de joelhos.

Outra coisa que eu tenho que evitar é o fósforo.  Aí sai fora todo tipo de biscoito industrializado, cereais integrais, barrinhas, sementes, bebidas à base de cola.  Vísceras, nem se fala.  Coraçãozinho, fígado, moela, nem lembro mais o que é isto.

Carnes ou qualquer proteína animal, só antecedidas pelo acetato de cálcio, que funciona como quelante.  Como eu não entendi blicas do que o Zé Augusto, meu personal nefrologist me explicou, corri na Wikipédia.  Adiantou pouco.  Segundo ela, Quelato é um composto químico formado por um íon metálico ligado por várias ligações covalentes a uma estrutura heterocíclica de compostos orgânicos como aminoácidos, peptídeos ou polissacarídeos.  O nome quelato provém da palavra grega chele, que significa garra ou pinça, referindo-se à forma pela qual os íons metálicos são “aprisionados” no composto.
Ta bom ou quer mais?

De sobremesa, tem a parte boa:  goiabada cascão, doce de cidra, doce de manga, doce de figo são presentes que você pode me dar, se for daqueles feitos na roça, sem aditivos.

Antes que eu me esqueça:  Jiló pode.  Claro, sem sal.  Escolhe onde você quer ir do Comida de Boteco e me chama.

Meu amigo Yves, aquele da minha fantasia especular no post 51, está preparando um livro só de receitas pra pacientes renais.  Agora que ele fez o transplante e não precisa mais da hemo, não esqueceu da gente e vai mandar uma série de macetes.

Mas com isto que eu já tenho até agora, dá pra ser feliz.  E muito...

sábado, 1 de maio de 2010

Merchandising - 69



Seu Romão é o cara mais elegante da turma da hemo.
Chega todo dia de barba feita, esculpida no cinzel.  E não é barba sauvage, como a minha, que é coisa de neguinho preguiçoso.  É uma barba feita com apuro, de gente que, quando acaba o serviço, gasta um tempo se olhando com um sorriso imenso e sai dali seguro que vai fazer sucesso.

Chega todo dia com uma bermuda passadinha, a camisa impecavelmente engomada, sem uma ruga.  O cabelo, sem um fio fora do lugar, me faz lembrar do Gentil, pai da Gêisa, que gastava uma fortuna gomalinando os cabelos toda manhã.
Principalmente quando você for compará-lo comigo, que, mal, mal, escovo os dentes quando saio de casa.

Seu Romão é artesão na feira da Afonso Pena.  E como bom artesão, fica sempre focado nas suas coisas.  Acho que ninguém da hemo jamais ouviu a voz dele.  Chega, cumprimenta todo mundo com um sorriso simpático.  Toma café e, quando eu puxo assunto, participa intensamente da conversa, só meneando a cabeça.

Fico pensando como um sujeito introspectivo assim pode se dar bem vendendo suas sandálias, todas feitas com esmero igual ao que ele faz sua barba.

É aí que entra a Nice, mulher dele. 
     
Você entende, então, o segredo e a importância da parceria.  Ela fala mais que pobre na chuva.  E conversa, e ri, e interage com todo mundo, e faz carinho nele...
Diz ela que na feirinha é sempre assim também. 
Ele sentado, artesanando, e quando os clientes tentam puxar assunto, ele faz igual faz comigo.  Dá um sorriso, balança a cabeça e volta pra transformar suas sandálias em pérolas.

Se eu fosse você, dava um jeito de encontrar seu Romão na feirinha.  A barraca dele é a 33 do bloco J-7.  Vvocê vai ficar sem palavras, quando constatar a delicadeza que transfere pras coisas dele.

Claro que é possível que este meu depoimento esteja levemente parcial.  É que ganhei uma sandália dele no bingo de sexta.  No número da Gêisa.

Fiz o maior sucesso.