quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sério?


Sempre tive muito medo, com esta minha mania de contar mentiras, que Tomás pegasse gosto pela coisa.  Mas fico muito satisfeito, orgulhoso mesmo, vendo ele fazer a distinção entre brincar de delírio e faltar com a verdade.  Tomás incorporou bem esta cisão, que eu acho vital no caminho da gente atrás da felicidade.

Descobri isto, brincando com ele no meu quarto, depois do banho.  Enquanto eu enxugava o menino, ele de costa pra janela, fingi um medo repentino e, pasmo, falei:
-  Tem um ninja na janela!
Tomás, claro, virou-se, rápido como o objeto da conversa, e eu, sem perder o pique, emendei:
-  Ele é como um raio.  Já foi embora.
E, como se não tivesse acontecido nada, continuei meu ofício de avô, arrumando o menino.

Tomás, com um leve esgar lhe rasgando a cara, perguntou:
-  Sério?
Claro que era sério, eu falava.  E repetia a brincadeira umas três vezes.  Em todas as três, Tomás virava pra janela, sorria e me perguntava:
-  Sério?
Foi assim que o código ficou estabelecido.

Outro dia ele chegou do Clic e falou comigo:
-  Vô, tinha um crocodilo na torneira do banheiro dos meninos.  Mas só eu que vi!

Foi minha vez de retribuir.  Perguntei pra ele:
-  Sério?
O menino não coube em si de contentamento.  Foi contando uma história cada vez mais fantástica do crocodilo, ele negociando pro bicho não sair porque ia assustar os colegas, convencendo a tomar o caminho de volta, torneira adentro...
-  Sério?, eu perguntava.
E lá ia ele enriquecendo a história, feliz em me deixar ali, brincando de morrer de medo.

Agora é assim: sempre que um quer avisar o outro que lá vem um ninja ou algum outro exercício delirante, o código é sempre este:
-  Sério?, seguido do sorriso.

Legal é que a gente guardou a intransigência do compromisso com a verdade.  Só pode brincar de inventar quando se lança mão do código.  Ainda não ocorreu nem uma vez de ele me mentir, sem lançar a mão do artifício.
E olha que ele é marrento.  Quando fala que não fez, não fez mesmo.  
Encara as consequências até o final!




Crédito da foto do ninja pra Tia Sophia Oliveira, um ás no gatilho

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Assez!



Francês fala assim, quando fica de saco cheio.  Eu ando desse jeito com Isadora, minha veia bailarina.  Não deu nem dois anos que Zé Vicente, meu personal cardiologist, desentupiu a bicha, e ela já veio encher o raio do meu saquinho.

Diz o ecodoppler que ela se mostra trombosada dos 8 cm a 11,5 cm acima da prega do cotovelo, ocorrendo oclusão total dos 8 cm aos 10 cm.  No popular:  entupiu geral.

Com o jeito abusado de sempre, Zé garroteou meu braço, deu tapinha aqui e ali, olhou pra mim e só então abriu a boca para o veredicto final, sério:
-  Você não consegue perder uns kilos não, rapaz?
O rumo da prosa não era novo pra mim.  Contei que, ao longo da minha vida, eu já devia ter perdido uns 320 kilos.  Ruim é que, sistematicamente, ganhava quase tudo outra vez.

Meu sentimento é que ele desistiu da conversa e se deu por vencido. Marcou logo a operação e lá fui eu, de novo, pro Zé e o povo dele me colocar dois stents zero bala.  Um, pra veia e um, pra artéria.

Acho que fiquei umas quatro horas com o braço estendido e ele me enfiando caninho,soprando balãozinho pra o resultado, no final, ser este que você vê aqui.


A resposta foi imediata.  O sangue, não encontrando mais a barreira da anastomose, abre um fluxo novo.  Isadora perdeu toda sua importância.  Não dependo mais da chatura dela pra minha hemodiálise.  Tá jorrando bonito...

Assez, Isadora.  J’en ai ras le bol![1]




[1]   Em homenagem a Kátia Becho, minha linda, que anda por lá.






sábado, 22 de setembro de 2012

Rapidinhas 14 - Primavera



Lisa me ligou duas vezes do Rio, hoje.
Ela já está cansada de saber da novidade. 
Quer dizer, novidade médio.  Acho que foi em 77 que eu aprendi a celebrar a vida com o Herval.  E, de lá pra cá, é sempre assim.
Depois que todo mundo vai dormir, eu corro ao banheiro e me barbeio para que o primeiro raio da manhã do dia 22 de setembro me encontre de cara limpa.

No começo era brincadeira.  Depois entendi a importância que tem pra mim a celebração da vida.

Feliz vida nova pra você e pra mim.


quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Bah, remédios, ...



Eu sempre fiquei muito incomodado com a espiral perversa que acontece quando você está doente.
Os remédios mais caros, que são  um direito constitucional, garantíveis com apoio jurídico do Ministério Público, me foram conseguidos pela ação competente daminha personal attorney, Dra LilianBeatriz.

Mas aí começa a tal espiral.  Lilian, irmã da Lisa, não aceitou me cobrar um pluto.  Quer dizer, a gente, que tem amigo influente e gente fina, resolve a coisa na boa.  Agora, se você é pobre, fica morrendo de medo de recorrer a advogado e acaba perdendo a possibilidade.

Esses dias dei pra me defrontar, de novo, com a espiral perversa.  É que a maior parte dos remédios que eu tomo estão sendo distribuídos nos postos de saúde.  Só que, de maneira recorrente, falta um, às vezes falta outro, às vezes faltam vários.  Quase nunca minha lista é entregue completa.
Tudo bem.  A gente acaba comprando o que falta.  Mas é duro ver gente saindo do posto de saúde, arrasada, por não encontrar o remédio que precisa e não tem grana pra conseguir.

Agora a coisa piorou.  Até Ruy Castro reclamou, numa crônica dele da semana passada, da moça da farmácia que dizia assim:  "A importação desse medicamento foi descontinuada".  A crônica fala sobre a confusão que as farmácias viraram, disputando clientes com os supermercados e abandonando o que nos parece, a mim e ao Ruy Castro, sua vocação original, que é resolver nossa necessidade de medicamentos.
E completa ele:  “Não precisa ser algo complicado, como um dentifrício especial para boca seca, ...”
Imagino que ele esteja se referindo à Biotene que eu já bati palmas aqui,  em um comunicado de interesse público no post citado anteriormente.

Não há Araújo ou DrogaRaia que resolva meu problema.  Nem se você for rico agora pode comprar, com esta história de fornecimento descontinuado.

Se você estiver indo ou voltando dos Estados Unidos ou da Europa, compra logo umas duas ou três pastas de dente e manda a conta pro meu cartão, por favor.

Ando apavorado, com medo de não arrumar uma forma de tratar bem minha boca, sem ser bebendo água.


terça-feira, 18 de setembro de 2012

Gentileza Urbana



Melhor seria se o título começasse com Falta de.
É que eu ando cada vez mais sem paciência com a arrogância das lojas em Belo Horizonte, quando elas pensam que as calçadas fazem parte de seus domínios.

Outro dia descasquei aqui nest’A Saga, entre outras, as duas lojas da esquina da Bernardo Figueiredo com Afonso Pena, que, assim me parecia, preferiam perder as árvores de seus passeios a perder o lugar para que seus clientes pudessem, com seus carros, expulsar os pedestres. (Ops, quase falei transeuntes).

Fico morrendo de dó do velhinho que agora mesmo eu vou ser que, não tendo como andar nas calçadas, vai ter, agora mesmo, que disputar espaço com os carros, nas calçadas e nas ruas, correndo o risco de levar um safanão que o transporte direto, na melhor das hipóteses, para um CTI.


Curiosamente (e claro que não foi o poder dos leitores dest’A Saga), os gestores d’A Tabacaria [1] resolveram a questão de um jeito mais civilizado.  Alugaram um lote na Afonso Pena, em parceria com a Vídeo Dumont, e colocaram à disposição dos clientes.  Do jeito que gente do primeiro mundo faria.


Enquanto isto, sem aprender a lição, a loja de lingerie da esquina nem dá bola.  Já vi umas duas vezes o pessoal da BHTrans aparecendo para multar.  Mas, de novo, minha impressão é que a ganância encarregou um vigilante de amaciar a ação dos fiscais e de mobilizar os eventuais comprantes para, em caso de blitz, fugirem rapidamente das merecidas multas.


Parece que a função dele é a mesma dos camelôs gritando “olha o rapa”, pra dar tempo de ninguém ser pego.


E só carrão de bacana, olha pra você ver.  Tinha tudo pra ser primeira página do blog que Maurilo [2] tinha, o Boa, Filhão, especializado em abusos deste tipo...




[1]  Aproveito e recomendo o almoço de lá.  O prato executivo fica a partir de R$17,00 e a parrilla é fantástica.  Coisa do Weberson, que foi meu aluno no Turismo da PUC.




ps:  Adoro, quando vejo Tomás cantando e entendendo esta canção.  Foi Laurinha Martins que me lembrou que isto é uma aula de ética pra crianças.  E é mesmo! 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Investimento


Minha vida toda, do meu jeito atabalhoado, fiquei sempre preocupado com o que ia deixar pros meus filhos e netos. Principalmente depois do susto que o câncer me deu, o assunto ficou recorrente nas minhas inquietações.
Mas esses dias resolvi que quero que Tomás e os próximos netos tenham o que a vida pode lhes dar de melhor.

Resolvi investir em imóvel na planta.

Não encontrei nada que desse melhor rentabilidade para o futuro do Tomás.  E a coisa tem se demonstrado um sucesso.  Tudo funcionando às mil maravilhas...
Sabe aquela felicidade que você fica quando as ações nas quais você apostou tem uma alta record?  Pois é.  Tomás tá assim agora.  Anda com o burro amarrado na sombra.


O foco de suas atenções agora está voltado pra sua casa na árvore.  Não sai de lá nem pra atender telefone.  Só escuto ele falando, quando alguém chama:
-  Tô ocupado...


Não sai de lá nem que a vaca tussa.  Tá sempre cuidando do local.  Coloca uma flor aqui, uma mesinha pra fazer seus trabalhinhos ali, seus tambores e atabaques[1] ...
O lugar tá cada dia mais arrumado.
Semana passada ele inventou que queria uma geladeira na casa.  Pegou um isopor, colocou umas frutinhas, suco de manga e gelo, e refestelou-se como se a coisa tivesse ganho uma classificação 5 estrelas da Embratur.


Mas não pense você que vai entrando, quando chegar lá.  Tem que obedecer as minhas regras, ele avisa.
Nem o Brutus, o gigantesco filho da Nera, nossa dinamarquês (R.I.P. U), com o Fidel, o pachorrento labrador do Meu Sítio, foge à regra.


Fico lembrando, vendo Tomás, de uns versos de Fernando Pessoa que me desafiam, desde que me defrontei com eles, pela primeira vez:

O sonho é ver as formas invisíveis
Da distância imprecisa e, com sensíveis
Movimentos da esp’rança e da vontade,
Buscar na linha fria do horizonte
A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte –
Os beijos merecidos da verdade.

O que o futuro te reserva é isto, Tomás.  O sonho.



Crédito das fotos para a avó da criança, em um celular Nokia, daqueles velhos e fulêros.