domingo, 31 de outubro de 2010

Confronto - 122



Votei hoje.  Não tirava da cabeça uma twittada de Maurílio que dizia que democracia não é escolher entre Dilma, Serra ou nulo.  É escolher entre Dilma, Serra ou nulo e ninguém te encher o saco.

Acho que o grande produto desta eleição foi deixar todo mundo apaixonado de novo.  E o grande efeito colateral foi o tanto que os dois lados jogaram baixo, que atacaram abaixo e acima da medalinha, que deixaram a espontaneidade de lado pra seguir o fundamentalismo dos conselhos de seus marketeiros.

Meu compromisso maior agora é procurar algum amigo meu publicitário e vender pra ele a Campanha Nacional pela Erradicação dos Filhos da Puta.  O planejamento já está pronto.  É o texto que Walden, meu companheiro na Cedro, me aplicou em meados dos anos 90 e nunca mais me saiu da cabeça.

Trata-se da Balada Ditirâmbica do Pequeno e do Grande Filho-da Puta, de Alberto Pimenta, poeta português do começo do século passado, e que diz assim:

“O pequeno filho-da-puta é sempre um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,por pequeno que seja, que não tenha a sua própria grandeza,diz o pequeno filho-da-puta.
No entanto, há filhos-da-puta que nascem grandes e filhos-da-puta que nascem pequenos, diz o pequeno filho-da-puta.
De resto, os filhos-da-puta não se medem aos palmos, diz ainda o pequeno filho-da-puta.

O pequeno filho-da-puta tem uma pequena visão das coisas e mostra em tudo quanto faz e diz que é mesmo o pequeno filho-da-puta.  No entanto, o pequeno filho-da-puta tem orgulho em ser o pequeno filho-da-puta.

Todos os grandes filhos-da-puta são reproduções em ponto grande do pequeno filho-da-puta, diz o pequeno filho-da-puta.
Dentro do pequeno filho-da-puta estão em idéia todos os grandes filhos-da-puta, diz o pequeno filho-da-puta.

Tudo o que é mau para o pequeno é mau para o grande filho-da-puta, diz o pequeno filho-da-puta.
O pequeno filho-da-puta foi concebido pelo pequeno senhor à sua imagem e semelhança, diz o pequeno filho-da-puta.
É o pequeno filho-da-puta que dá ao grande tudo aquilo de que ele precisa para ser o grande filho-da-puta, diz o pequeno filho-da-puta.

De resto, o pequeno filho-da-puta vê com bons olhos o engrandecimento do grande filho-da-puta: o pequeno filho-da-puta o pequeno senhor
Sujeito Serviçal Simples Sobejo ou seja, o pequeno filho-da-puta.

O grande filho-da-puta também sem certos casos começa por ser um pequeno filho-da-puta, e não há filho-da-puta, por pequeno que seja, que não possa vir a ser um grande filho-da-puta,
diz o grande filho-da-puta.

No entanto, há filhos-da-puta que já nascem grandes e filhos-da-puta que nascem pequenos, diz o grande filho-da-puta.
De resto, os filhos-da-putanão se medem aos palmos, diz ainda o grande filho-da-puta.

O grande filho-da-puta tem uma grande visão das coisas e mostra em tudo quanto faz e diz que é mesmo o grande filho-da-puta.
Por isso o grande filho-da-puta tem orgulho em ser o grande filho-da-puta.  Todos os pequenos filhos-da-puta são reproduções em ponto pequeno do grande filho-da-puta, diz o grande filho-da-puta.

Dentro do grande filho-da-puta estão em idéia todos os pequenos filhos-da-puta, diz o grande filho-da-puta.
Tudo o que é bom para o grande não pode deixar de ser igualmente bom para os pequenos filhos-da-puta, diz o grande filho-da-puta.

O grande filho-da-puta foi concebido pelo grande senhor à sua imagem e semelhança, diz o grande filho-da-puta. 
É o grande filho-da-puta que dá ao pequeno tudo aquilo de que ele precisa para ser o pequeno filho-da-puta, diz o grande filho-da-puta.

De resto, o grande filho-da-puta vê com bons olhos a multipliccação do pequeno filho-da-puta: o grande filho-da-puta o grande senhor Santo e Senha Símbolo Supremo ou seja, o grande filho-da-puta.”

Tomara que a pessoa que venha a nos governar assuma também o compromisso de exterminar esta abominável classe.


Agora, pra amenizar um pouquinho, que eu acho que eu ando meio bravo com esta coisa:

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Take it or leave it - 35


Quando eu estive em Chicago pela FDC, adorava visitar uma lojinha de um velho hippie, remanescente de Woodstock.  Vendia toneladas de camiseta tie-die, gravatas do Jerry Garcia, toda a ambiance de 68, Duas coisas inesquecíveis:  uma camiseta com “Grateful Dad”[1] bordado, que até hoje eu me arrependo de não ter comprado, e um bilhete que ele deixava ao lado do caixa, dizendo “Pegue uma, deixe uma”, onde mantinha um pires lotado de moedinhas de 1 e 5 centavos, inúteis, mas que podiam ser usadas por quem achasse importante.

Lembrei dele quando convidaram os NefroWalkers para a I Caminhada pelos Transplantes do Hospital das Clínicas/UFMG.  Vai ser sábado, dia 30, na Praça da Liberdade, de 8 às 10 da manhã.  O evento faz parte do XII Encontro de Pacientes Transplantados e Pacientes em Fila de Espera.  Vai ter palestras para os pacientes e familiares, mais um espaço para confraternização e troca de experiências.

Segundo o Ministério da Saúde (MS), atualmente o país possui um dos maiores programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. São mais de 500 estabelecimentos de saúde e mais de mil equipes autorizadas a realizar esse tipo de procedimento. O Sistema Nacional de Transplantes marca presença em 25 estados brasileiros, por meio de suas Centrais Estaduais de Transplantes.

Pensei no velho hippie, pra te lembrar que tem uma fila grande de gente esperando.  Avise sua família pra fazer bom uso, encaminhando para o Sistema Nacional de Transplante, quando você não for precisar mais

Vista sua camiseta de NefroWalker e venha na Praça da Liberdade dar seu apoio.



[1] Trocadilho com a Grateful Dead, banda do Jerry Garcia




Que nem Maurílo, musiquinha do meu tempo, direto na têmpora

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Edição Extraordinária 34 - Chei(r)o de vida


Este post vai ser essencialmente visual.  Mas é legal você dar um pulo pelo cerrado e entender melhor do que eu estou falando.
Outro dia eu contava pra você sobre o quanto eu me alimento de esperança.  E ela está sempre presente, depois que eu comecei a aprender a ler. 
O primeiro sinal são os ipês amarelos, no final de agosto, explodindo de cor no meio daquela terra, quase que puro galho.
Aí, o próximo sinal é o mandacaru, que você só conhecia da musica de Zé Dantas. Esta beleza de mandacaru aí fica no terreno da viúva de Didá, meu vizinho.  É ele quem nos deixa mais ou menos ansiosos quando o tempo fica muito seco na roça.  
O Meu Sítio fica no comecinho do cerrado mineiro, naquela região entre Cordisburgo e Sete Lagoas.  Até setembro, a grama desaparece e o chão fica quase que pura terra.  Uma coisa meio Vidas Secas (o filme), que nem quando te mostrei os galinhos de  Dona Gêisa.

Pois foi só dar a primeira chuva que aquele terreno feio, onde você vê o White Cock, passa a ser o lugar preferido para a Helga, a eguinha pequira do Tomás, vir pastar, placidamente, na porta da cozinha.  

A vida aparece de novo.  E é um tal de todo mundo namorar, que você não acredita.  Passarinha rodeando passarinho, porca correndo atrás de porco, calanga se enrolando com calango, tucana bicando tucano...

Todo mundo só quer, só pensa em namorar..



segunda-feira, 25 de outubro de 2010

NefroWalkers viram Passione com seu Zé Rodrigues da Hemo e Sidney Porto


Filmado pela Nice Lima com produção de Rosana Surette

As fotos estão aqui

domingo, 24 de outubro de 2010

Edição Extraordinária 32 - Sem uma gota de chuva



Lugarzinho bacana pra caminhada, esta Praça JK.  Uma porque a gente se achar era a maior moleza. Outra porque a gente acabou fazendo o maior sucesso.

Foi a grande noite do seu Zé e do Sidney.  Os dois nunca tinham se encontrado mas se deram como se fossem amigos desde criancinha.  Sidney começava a música, seu Zé conhecia e corria atrás.  Seu Zé dava a introdução e Sidney improvisava como se estivesse diante da partitura com os arranjos adrede[1] preparados.

Todo mundo olhando a camiseta e sentando perto, fingindo que nem estava prestando atenção.  E acabava inebriado pela voz do seu Zé.  Rosana, que produziu as camisetas, tem mais fotos e um vídeo.  Depois posto pra vocês.

Antes que eu me esqueça, quem ficou com medo da chuva, perdeu.  A noite estava agradabilíssima.  É bem verdade que lua que é bom, nem apareceu.  Mas gota de chuva também, necas de catibiriba.

Uma amiga minha, pessimista até o osso, garantiu:
-  Mas na lua cheia de novembro chove!
Ora faça-me o favor... 



Sidney Porto e Seu Zé da Hemo, se preparando pra mais uma.


[1] Sempre tive a maior vontade de usar adrede e nunca tive a chance.  Lá foi.  Achei chic.  Como você, claro, não sabe, eu explico: adrede significa anteriormente.  Fica bonito de doer, não fica?

sábado, 23 de outubro de 2010

Cabrita - 121



Eu já tinha falado com você do blog Força na Peruca e da forma debochada que a Márcia Cabrita trata da relação dela com a busca da recuperação.  Corre no post Briga boa e dá uma lembrada.

E justamente quando eu descobri do tanto que foi bom pra mim falar do diagnóstico, a Isto É desta semana saiu com uma entrevista que eu adorei sobre ela.  Tem hora que é de uma acidez à qual têm direito quem está numa situação como a que ela está.  Mas senti nela, ao final, o mesmo alívio de quando tratei do meu diagnóstico no post Respeito.

Tem um pedaço especialmente emocionante quando a filha dela pede pra ir pra escola de lenço na cabeça.  Perguntada sobre o motivo, a filha responde algo como:
-  Porque eu acho legal.
E ela destampa a chorar, emocionada.

Eu sinto mais ou menos a mesma coisa quando Tomás, curioso, me pede pra ficar com a mão na minha fístula.  Sempre fala: 
-  Que doido!!!
E sai morrendo de rir.

O quadro dela parece ser muito mais grave que o meu.  Mas a coragem de  tratar da questão me pareceu uma bela referência.  Diante de perguntas que eu me sentiria constrangido de fazer, Márcia dava respostas que me deixariam constrangido de ouvir.  Mas a gente vê uma dose imensa de coragem na disposição de encarar o assunto.  É meio que a gente encurralando a doença e colocando ela no seu devido lugar.

Legal é que ela fala que em janeiro deve estar tinindo.

Acho que a busca da cura é igual a história dos chilenos de Atacama:  a gente aprende que esperança é o cerne da questão.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Presente

Kátia, minha linda, mandou este presente.
Vou fazer uma camiseta, lá no Barro Preto.
Você querendo, baixa a ilustração e faz pra você também.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Respeito - 120



Encontrei com Inezinha, depois de trocentos anos desaparecida da minha vida.  E como patologista, a primeira pergunta dela foi como tinha sido este meu câncer.

Fiquei olhando pra ela, meio sem saber como responder.  Lembrei de Guguta falando comigo que eu trato do câncer como uma unha encravada, fiquei lembrando da Toninha me proibindo de falar “meu câncer”.  Que minha mesmo é a disposição de buscar a cura.  Fiquei pensando no tanto que Cecília, minha bruxinha, me ajudou a exercitar mais a compaixão e o perdão.

E me ocorreu, folheando os meus escritos, que eu nunca tinha falado aqui sobre o diagnóstico que me foi apresentado, depois da operação. Neste tempo todo, eu guardei uma respeitosa distância da doença.  Mas, é bom deixar claro, eu nunca deixei de considerar o poder do estrago que ela podia me causar.

Mandei pra Inezinha um bilhete com a história que eu não soube responder.  Foi assim:

Vamos lá:
- Dr. Alexandre Menezes, meu uro, me operou de um adenocarcinoma renal esquerdo com invasão da veia cava associado a hipoplaseia renal direita. Fui submetido a nefrectomia radical esquerda, linfacenectomia retroperitonial e trombectomia da veia cava.
- Encontro-me em tratamento para adenocarcinoma renal estádio T4NOMx
- A veia renal mede 4,5x0,7 cm e revela acometimento de sua parede e sua luz pela lesão. A massa apresenta coloração amarelada, tem aspecto grosseiramente nodular e ultrapassa a cápsula renal.
- O tecido peri-hilar foi dissecado, se encontrando 05 linfonodos.
- Tipo de neoplasia: carcinoma de células renais convencional
- Grau nuclear (Furhman): grau 3
- Componente sarcomatoso: presente, focal
- Necrose: presente
- Invasão da cápsula e da gordura perirenal: presente
- Comprometimento de linfonodos: metástase em 03 de 05 linfonodos dissecados
Diagnóstico: CARCINOMA DE CÉLULAS RENAIS

Tá bom. E você queria que eu lembrasse disto?

Mas o que eu gosto mais é desta história:
http://asagadevalente.blogspot.com/2010/08/edicao-extraordinaria-21-im-impressed.html

Beijos

Esqueci de falar com ela sobre os 4 meses de Sutent, que devem ter tido um papel e tanto neste enredo.
Agora, só entre nós dois.  Não entendo grande coisa disto.  Mas senti um grande prazer em ter posto isto pra fora.

PS:  Louise, agora me explica what the f#@* é isto aqui em cima.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Edição Extraordinária 29 - Não vai sobrar pedra sobre pedra



Nova quebradeira prevista.  Desta vez,  como a Lua Cheia cai no sábado, a gente vai fazer mais cedo pra quem mora longe poder voltar de ônibus, tranqüilo, tranqüilo, sem stress.

Agora, pelo amor de Deus, alguém aí reboca um violeiro, porque eu não quero perder seu Zé cantando outra vez.

A gente se encontra lá.


ps:  os layouts agora são sempre em homenagem ao Léo, que primeiro entendeu o espírito.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Vó Geralda - 119



Ontem o homem do Pastelzinho estava arrasado.  Vó Geralda, aos 97, tinha morrido.
É por causa da Vó Geralda que este ogro, que não tinha salvação, virou esta figura doce que a gente conhece.  Só isto já era suficiente pra nós sermos eternamente gratos a ela.  Maurilo já tinha colocado uma declaração de amor baita pra Vó Geralda há uns tempos atrás na Pastelaria.

Ontem, pensando no Maurilo, na Sophia e na Vó Geralda, na mamãe e no Tomás, fui dormir embalado pelo fascínio deste eterno recomeço, ganhos e perdas, coisas que sempre enchem a gente de esperança, certos que amanhã vai ser melhor que hoje. 

Vai daí que hoje de manhãzinha, mudaram o horário da minha hemo e lá fui eu fazer uma bateria de exames no Life Center.  E me chega, numa cadeira de rodas, conduzida pela filha, uma lady com os exatos 97 anos da Vó Geralda.  Linda, cabelo branquinho, toda produzida para o que devia ser um evento pra ela.  A filha, óbvio, pediu um atendimento preferencial pra doce senhora.

Pois você não acredita que um idiota, com seus 60 e poucos anos, bermuda e tênis de quem tinha feito sua caminhada matinal, reclamou em altos brados, dizendo que, se era assim, ele também tinha idade pra ser preferencial.
A filha, toda delicada, argumentou suavemente, que ela tinha 97 anos.  Lembrei da Vó Geralda na hora.
Mas baixou em mim o velho rabugento que habita no Maurilo vez por outra e dei um esporro no cara.
-  Ô idiota, não é questão de idade não.  É de respeito.
E o panguá ainda respondeu:
-  Eu também tenho meus direitos.  Você é Dilma e eu sou Serra.  E daí?

Fiquei sem entender a entrada da política na história mas aí já era tarde.  O cara conseguiu a unanimidade.  Independente de se Dilma ou Serra, parece que todo mundo virou neto da velhinha na hora, que na sua senilidade permanecia alheia a tudo.
Todo mundo fuzilou o zé ruela com tanta ira que ele foi ficando amuado, resmungando, olhando pro chão.

Maurilo, meu irmão, considere este esporro minha homenagem pra Sophia e pra você.


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Retrouvailles - 118



Caminhar na piscina tem sido meu melhor exercício.  Compatível com a hemoglobina baixa e acaba que eu fico horas, sem me dar conta do tanto que aquilo é bom.  Cecília, minha bruxinha, me aplicou na walking meditation.  Na água, é perfeito.  Vou acabar  criando a water meditation.
Tem hora que minha cabeça viaja e eu fico levinho, levinho[1]. 

Estava na piscina, bem no comecinho da noite, a lua lá no poente, o céu cheio de estrelas, e eu lembrando das aulas de francês do professor Marcel Debrot, autor do Français au Gymnase, e do quanto eu gostava de um texto do Jean-Jacques Rousseau que falava das maravilhas de se dormir ao relento, olhando o céu.

Lembrei disto e de uma outra coisa do velho Marcel que entrou de vez na minha vida.  A neta dele, Inezinha[2], minha colega de Estadual, era das meninas mais fabulosas daquele lugar.  Era encantadora.  Uma vez, eu e Bizzotto fomos fazer uma serenata pra ela, na casa da Levindo Lopes.  Meu olho encheu de água e eu confessei pro Bizzotto:
-  Sou doido com ela.
E Bizzotto, de sem-pulo, olhos também marejados, rebateu:
-  Eu também.[3]
Mas a gente era nada.  Era amor platônico, inofensivo, embalado só pela doçura dela.  Mas você não acredita a saudade que deu...

Nunca mais tive notícia dela.  Só que ela tinha feito patologia, tinha ido pra Ipatinga, casado com o Adseu e uma vez, há uns quinze anos atrás, ela me ligou, depois de uma entrevista que eu tinha dado na tv, ou algo parecido.

Outro dia, fuçando internet atrás de notícia, descobri a dedicatória da dissertação de mestrado da Marina, filha dela. Era algo assim:
“à minha mãe, por ter trazido a ciência pra casa, fazendo com que os tubos de ensaio fossem parte das minhas brincadeiras de criança...”.  Meu deu a sensação de já ter vivido algo assim...

Inezinha voltou de vez pra minha vida.  A ovelhinha do Tomás, da raça Santa Inês, ganhou o nome em homenagem a ela.  Quero muito que, um dia, as minhas duas Inezinhas se conheçam.



[1] Força de expressão, ça va sans dire.

[2] O pai chamava Marcel também.  Tinha a mãe, dona Lígia, Quelita (linda), Marcelinho que sonhava ter uma banda de rock e virou jornalista do Hoje em Dia em Brasília e o Pierre (acho que ele anda pelo CEFET).

[3] Nem lembro se eu confessei primeiro ou foi o Bizzotto.  Mas isto não tem a menor importância.  Saímos nós dois, abraçados, felizes...


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Traição - 117



A barra começou a pesar ainda no carro, a caminho do Meu Sítio.  Tomás havia ganho um celular de brinquedo que era, na verdade, uma lanterninha.  Passou a viagem inteira brincando com o trem.
-  Tia Sofia que me deu!

Véspera do dia das crianças e a briga estava séria.  Vovó Magda tinha dado um autorama, não sei quem tinha dado não sei o que, ...
Mas eu estava preparado para a liça.  Meu embrulho ocupava o portamalas quase todo.  E mais: estava embrulhado em papel amarelo.  Pra me vender caro, falei que só ia abrir no Meu Sítio.

Me dei mal.  Num minutinho, Tomás esqueceu do pacote e se entretinha com a lanterna da Tia Sofia.

Dito assim, você não entende a real extensão do drama.  É que você deve conhecer pouca gente mais ciumenta do que eu no mundo.  Aquela lanterninha estava me roendo por dentro.  Puro despeito.  O autorama até doeu pouco.  É que quando Carol montou a pista, propos logo uma disputa.  E por alguma razão que ela não soube explicar, quando começaram, o carrinho da Carol saiu feito uma bala e o dele apagou.
Foi um choro só.  Acho que ele vai demorar bem uma semana pra gostar do autorama outra vez...

No Meu Sítio eu comecei fazendo o maior sucesso.  Só pra abrir o pacotaço já valia a pena.  O menino não se agüentava de felicidade.  Por uns 10 minutos, ninguém podia encostar no brinquedo.  Era um misto de patinette com skate.  Como diz camelô, é simples de usar, não utiliza pilhas, baterias ou energia elétrica, e não possui pedais ou engrenagens.  Não exige prática nem habilidade.  Acho que chama Plasmacar.

Custou uma baba...

Aí, aconteceu o desastre.  Carol entregou a máscara e a capa do Batman.  Dezessete reais, a bagaça.
Ninguém, ninguém mesmo, conseguia mais segurar o menino...  Tomás segurava a capa com a mão esquerda, baixava o elmo de Batman e disparava pela casa afora, o final de semana inteiro, achando que voava.  Não tirou a fantasia um minuto...

Paciência!.  Daqui a umas duas semanas ele esquece deste Batman.  Ou eu queimo esta coisa de uma vez...


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Meu cajado - 116


Em compensação, esta história é irretocavelmente verdadeira[1].  É que depois da Volta da Lagoa Seca, virou hábito caminhar com meu cajado.  No Meu Sítio já fazia isto sempre mas na Lagoa Seca foi a primeira vez em Belo Horizonte.  Tem hora que o Tomás, abusado que só ele, caminha no meu passinho, também apoiado e se dizendo “velhinho, velhinho”.

Há momentos em que a coisa vira artigo de primeira necessidade.  Estou eu lendo na minha poltrona de soberano no escritório por um tempo maior e, quando me levanto rápido, dá uma tonteirazinha.  Bem de vez em quando.  Mas com o cajado, eu nem perco a pose.  Saio com uma elegância olímpica, parecendo o Lacoste fazendo tremer Roland Garros.

O negócio deu tão certo que, quando Cuca e Marília foram à Suíça visitar o (meu) filho Bernardo que trabalha lá, me trouxeram de presente um destes hikingsticks[2] que o povo usa pra caminhar montanha acima.

Chic no úrtimo.  O trem é de fibra de carbono, extensível/encolhível, levíssimo, com um dispositivo antishock[3] maravilhoso.  Vermelho metálico.  Lindo.  Toda vez que eu vou dar um passeio maior um pouco, levo ele comigo.  É mais pra me exibir, mas levo.

Outro dia, arrumei um bicho de pé.  Aliás, dois.  Um no pé, outro na mão.  Nesta época, não tem jeito.  Tomás já pegou um tanto.
Preocupado, lá fui pro hospital[4] desfilar com meu super poderoso hikingstick, achando que eu era, no mínimo, a identidade secreta do Super-Homem.

Uma velhinha, bem velhinha mesmo, com seu andador de alumínio, vendo aquilo pergunta, toda discreta, pra Gêisa:
-  Ele cai muito?

Generosa, cheia de amor pra dar, Gêisa falou com a velhinha:
-  Caiu.  A meus pés.  Há mais de 34 anos...

A velhinha, assanhada, sorriu, cúmplice, pra ela.




[1] Pode dizer...  Você agora vai ficar na maior dúvida, sem saber se é verdade ou mentira.
A graça é esta mesmo...

[2] Deve chamar bastão de caminhada, ou algo parecido.

[3] Juro!  Parece amortecedor, o troço...

[4] Até mamãe riu de mim.  Diz ela que, na roça, é só esquentar uma ponta de alfinete num palito de fósforo e arrancar o bicho, fácil, fácil




quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Outra dele - 115



Diz Margarida que Valdo, filho do Seu Antônio, meu caseiro, morava no Mato Grosso e comprou uma câmera digital.  Resolveu fazer uma viagem de visita a seus pais e levou a câmera digital para a roça, só pensando no bonito que ia fazer.

Chegando lá, mostrou a novidade para todos.
Nunca ninguém tinha visto algo igual.
Chamou todo mundo pra tirar um retrato da família reunida.
Pediu que todos ficassem bem juntinhos debaixo de uma mangueira, perto de uma cerca de arame farpado onde Seu Antônio criava suas vacas.

Então, Valdo se afastou da turma, escolheu um lugar para deixar a câmera, programou o temporizador, clicou e correu para junto de todos com a intenção de também sair na foto...

Foi um "Deus-nos-acuda".  Mó confusão.

Todo mundo saiu correndo também, numa gritaria louca, sem nem ligar pra cerca de arame farpado, atravessando ela de qualquer jeito, rasgando as roupas e todo mundo se machucando.

Depois do desastre, Valdo pergunta:
- Uai, gente! Qué qui deu nocês prá desimbestar desse jeito, sô?

E Dona Vilma, sua mãe, com as duas orelhas cortadas e a roupa toda rasgada, responde:
- Se ocê, qui conhece esse trem, teve medo, imagina nóis qui nem nunca viu!  Cê besta sô!!!

Quando eu falo que o povo do Meu Sítio é um aprendizado só, você acha que é exagero meu...


terça-feira, 5 de outubro de 2010

Falha nossa - 114


Ainda bem que você lê minhas bobagens só por solidariedade.  Fosse você um paciente renal crônico, como eu, estaria se estrepando a estas horas, seguindo meus conselhos.

É que eu, entusiasmado com minhas descobertas, andei falando besteira neste blog.

Não sei de onde eu tirei isto mas cismei que o acetato de cálcio me protegia.  Achava que era só tomar o comprimidinho e enfiar o pé na jaca.

Resultado:  meu potássio subiu na estratosfera.  O potássio alto é risco de depósito de cálcio nas articulações, coceira, uma chatice.  Isto significa, na prática, que minha Sorveteria faliu.
Me explico.

O acetato de cálcio protege do fósforo.  Significa que tenho que tomar sempre que for ingerir qualquer fonte de proteína animal.  Na minha cabeça, protegia também o potássio.

Blicas.

Tive que mudar o cardápio todo da Sorveteria Valente.  Uva, por exemplo, só com ultramoderação.  Cheia de potássio.  De dez a  meia dúzia de uvas.  Nada de cachos, como eu fazia questão de me enganar.  Pelo menos foi bom saber antes da época da jaboticaba, que também é ruim pra mim.  Cá pra nós, se for pra comer esta miséria, eu prefiro esquecer do assunto.  Sofro menos.
Cortamos do cardápio figo, kiwi, açaí, água de côco, goiaba, mamão, maracujá, melão.

Por outro lado, agora sob nova direção, a Sorveteria Valente reabre suas portas agora com um cardápio à base de abacaxi, acerola, ameixa, caju, caqui, limão, maçã, melancia, morango, pêra, pêssego e pitanga.  Tudo lá, no meu congelador.

Fala sério:  ainda bem que eu moro aqui, onde em se plantando tudo dá.  É muita opção bacana pra gente ser feliz...

sábado, 2 de outubro de 2010

Sozinho não, violão - 113


De vez em quando eu ando pensando sobre o meu câncer e nas várias hipóteses de como eu arrumei ele.  Neguinho já me falou de autodestruição, de fundo psicológico, de má alimentação, de um punhado de variantes.  Eu sempre fiquei muito fascinado, tentando entender de como ele resolveu se instalar na minha fábrica de excreta.  Até hoje não entendi, mas vivo me perguntando a fonte, cuidando pra não deixar ela voltar.

Ainda esta semana assistia a uma entrevista de um médico falando de uma quantidade de fontes que a gente tem pra desenvolver um câncer.  É mama, é útero, é colon, é próstata, é exposição a radiação solar...  Cada hora aparece uma fonte nova, com um potencial de destruição grande.

Estes dias, em Valadares, o Célio da Celinha, pai da minha irmã, está em coma.  Fumou a vida toda.
Todo mundo rezando com o povo dela pra passagem acontecer da maneira mais suave possível.  Mas de qualquer forma, não tem muito jeito de ser suave, uma história destas...

O que mais me incomoda, quando vejo uma coisa destas acontecendo, é ver pessoas que eu amo, e muito, brincando de pique esconde com o câncer, com cigarro na boca.  Tudo abusando da sorte, como se estivesse desafiando Deus, se achando inatingível.

Cada vez que neguinho acende cigarro, nasce em mim uma paranóia, tentando prever até quando a saúde vai continuar presente na vida da pessoa. 

Principalmente com você, a luz que ilumina a vida de tanta gente, eu fico pensando quando é que eu vou começar a morrer junto.  Igual Celinha está sofrendo agora.

Qual é a graça, gente, de jogar a responsabilidade toda pro seu Valente brigar sozinho?  Dá uma ajudinha pra ele, rapá...