sábado, 26 de dezembro de 2009

Edição Extraordinária 04 - Não vale como história





Acho que este post podia bem chamar de Efeito Colateral.



É que Dênio esteve me visitando, dia destes, e falava do carinho que ele ficou com o nome Valente. O enteado de Dênio é cadeirante. E ele dizia que agora Valente é o nome que ele reserva pra todas as pessoas fisicamente desafiadas. Cadeirante, muleta, amputado, todo mundo, seja lá o nome que se costuma dar, agora devia chamar Valente.

E Cecília, meu anjo da guarda, relacionou esta notícia do Ipê que aconteceu em Porto Velho com o Valente. Soldado dizia que e email é antigo. Eu achei que mesmo assim, vincular esta história com o Valente me emociona. Diz ela:

"Um Ipê Amarelo foi cortado e seu tronco foi transformado em um poste. Após o poste ser fincado na rua, foram instalados os fios da rede elétrica. Eis que a árvore se rebela e resolve não morrer. Mas a reação foi pacífica, bela e cheia de amor. Rebrotou e encheu-se de flores.Assim é a natureza...resiliente !"



Peço a Deus que o meu Valente siga o mesmo caminho...

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Segura na mão de Deus - 28




Minha família é famosa pelas boas relações que tem. É coisa que foi construída ao longo de anos com pai e mãe ensinando pra filho e filha o cuidado com os amigos como um valor essencial. E que os meninos levam a sério, graças a Deus.

Celsinho[1], por exemplo, não deixa ninguém na mão. Quando Ciça morava no Rio e, de vez em quando, ficava de baixo astral, ele saia de Jacarepaguá, de táxi, só pra fazer um dengo nela.

Mamãe, por exemplo, fala com Deus todo dia. E Ele escuta sempre com o maior cuidado.

Fora que, com Deus, tem gente a dar com pau que garante uma ótima relação nossa. Tadeu, filho da Tia Wanda[2], é devoto do Padre Libério. Foi, aliás, batizado pelo próprio. Tadeu me mandou a Nossa Senhora da Medalha Milagrosa que fica ao lado da minha cama. Reza pra mim todo dia.

Vai daí que, uns dias depois da operação, Xande entrou no apartamento do hospital com uma cara de poucos amigos. Coisa rara, diga-se de passagem.

Apreensivo, Xande dizia que eu era o paciente de mais risco pra carreira dele.
Aí a cara dele se iluminava com o sorriso mais moleque que você já viu e ele completava:
- É que se der tudo bem, foi o Tadeu. Se der errado, a culpa é minha.

Eu, por via das dúvidas, aprendi com o Rubinho[3] esta oração aqui embaixo e tenho ela sempre comigo. Aproveita o espírito de Natal e reza ela com sua família.


ORAÇÃO DO PODER

Deus, Senhor de toda força e poder
dá-me hoje a segurança de teu amor
e a certeza de que estás comigo.

Peço ajuda e proteção nesta hora
tão difícil de minha vida.

Preciso de tua assistência,
do teu amor e de tua misericórdia.

Tiras de mim o medo,
tiras de mim esta dúvida,
esclarecendo meu espírito abatido
com a luz que iluminou o teu Divino Filho
Jesus Cristo aqui na terra.

Que eu possa perceber toda tua grandeza
e tua presença em mim,
soprando teu espírito dentro de mim,
para que eu sinta fortalecido
com tua presença em minha vida
hora por hora, minuto por minuto.

Que eu sinta teu espírito e tua voz dentro,
ao meu redor, em minhas decisões
e no decorrer deste dia,
que eu sinta teu maravilhoso poder
pela oração e, com esse poder,
espero os milagres que podes realizar
em favor dos meus problemas.

Não me deixes, nem me abandones
para que eu não caia no desespero
e nem perca a fé em ti.

Pai, não me deixes cair.

Levanta meu espírito
quando me encontrar abatido.

Entrego-te, neste dia,
a minha vida e de minha família.

Livra-me de minhas moléstias
ainda que seja por milagre.

Obrigado meu Mestre, meu Senhor,
meu Irmão, meu Amigo, meu Pai.

Sei que vais me dar a solução
de que tanto preciso e desejo.

Amém.




[1] Dependendo do palco, Celsinho muda de identidade. De terno, sob o sol inclemente do Rio de Janeiro, é dr. Celso. Na casa da mamãe, é Meio Kilo, filho do TiZé, meu padrinho.


[2] E na casa da Tia Wanda ainda tem o Pastor Horácio que mora nos Estados Unidos e me liga de vez em quando dando uma dica de algum versículo bíblico. O pastor não erra uma. Todos que ele me manda, me fazem chorar emocionado...


[3] Rubinho fez um transplante de rim há muito tempo e divide a experiência dele permitindo o download do livro que ele escreveu sobre a história. O site dele é o http://www.rubemmyrrha.com/

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Edição Extraordinária 03 - Não vale como história












Este cartão é uma brincadeira com duas das figuras que eu mais amo na vida.

Mário, casado com a doce Mônica, fez meu debochado e lindo Papai Noel. É dele também a caricatura que aparece no meu perfil do blog. Aliás, quando os meninos eram pequenos, esta caricatura era o Papai Bravo. Gêisa mostrava o quadro e eles, com medo, iam se borrando de medo pra caminha.

Edmundo Novaes, meu irmão na Tv Alterosa e no Turismo da PUC fez este poema. Fez este e um punhado de outros, igualmente lindos. Tinha feito pra ele mesmo. Mas, generoso como é, nem liga quando eu me aproprio das coisas dele. Só quando se trata da Gladys que o homem vira bicho...

A Rainha Sarabi [1] - 27




Gêisa era uma leoa. Mesmo depois da correria diária, ela tomava conta de mim como se eu fosse filhote dela. Aquilo acabava me deixando tenso mas ela era impermeável. Nem discutia. E aí, qualquer um que já tenha visto NatGeo sabe o que significa peitar leoa.
Melhor não...

Não sei como ela fazia. Mas dormia só com um olho e ficava me tocaiando, com o outro. A noite inteira.

O pior é que é impossível pra qualquer cristão[2] ficar em uma cama de hospital e sentir-se confortável. Você fecha os olhos e, quando começa a dormir, acorda incomodado. Dá uma viradinha procurando uma posição melhor e começa tudo de novo.

Aí seu sangue gela, quando escuta o rugido atento da dona do pedaço. A qualquer movimento meu na cama, ela abria o outro olho, sobressaltada:
- O que foi?

Não adiantava explicar que estava só buscando uma posição melhor. A pergunta vinha a qualquer, QUALQUER, entendeu bem?, qualquer movimento meu. A noite inteira era isto.

Tentei o último caminho. Tomás fazia comigo, quando queria ficar sozinho.
Eu fechava o olho e fingia que estava dormindo e que o movimento era involuntário. As primeiras três vezes foi um sucesso. Mas, afinal, leoa não é rainha à toa. Tomei o maior esculacho, plena 3 da manhã.

- Pára de fazer gracinha e responde!!!

Nunca mais. Eu ficava murchinho, murchinho...


[1] Caso sua cultura não seja lá estas coisas, Sarabi era a parceira do Rei Mufasa. Se ainda assim, você não tiver idéia de quem se trata, sinto muito. Seu caso é irrecuperável...

[2] Isto, claro, é modo de falar. Nem muçulmano, nem ateu fogem desta regra...

sábado, 19 de dezembro de 2009

A falta que ele me faz - 26



Eu entrei no hospital orgulhoso de ter chegado aos 122 kilos, harmonicamente distribuidos nos meus 1,83.

Mesmo que você, com este seu corpitcho esquelético não concorde, era esta a minha modesta opinião.[1] Eu tinha largado pra trás 22 kilos depois que tinha tomado a decisão de fazer o último regime de minha vida, no dia 15 de abril.

Depois de uns dez dias de hospital, o povo da nutrição apareceu com uma balança no meu quarto. Daquelas eletrônicas, mudernas, sem a menor chance de dizer que não merecia credibilidade.

Perdi a voz quando o ponteiro bateu em 137. Claro, estava errada. Pedi pra trazerem a minha, de casa.[2] Deu a mesma coisa. Cento e trinta e sete, cravados.

Foi assim que eu percebi que o câncer queria cobrar caro pelo sucesso do trabalho do Xande. Apesar de eu ter feito hemodiálise três dias na UTI, tinha sido pinto, comparado com o que era necessário eliminar de líquidos do meu organismo.

A partir de agora, meu desafio era regular o que eu viesse a beber e deixar a EmoMáquina lavar meu sangue, no lugar do rim que eu perdi.

Foi aí que Valente começou a tomar forma. Agora eu só podia contar com ele pra facilitar a vida da EmoMáquina. A partir do momento que foi necessário tirar o rim esquerdo, Valente percebeu que, mesmo sem vascularização, ele tinha um gigantesco trabalho pela frente.

Lembrei de uma história com Toledo, o consultor que guiou o projeto de modernização da Cedro. Toledo dizia que se tivesse um pouco mais de dinheiro ia fazer a grande virada. Aliás, se tivesse um pouco mais de tempo, ia deixar o nome da gente na história da indústria têxtil. Ou ainda, se tivesse uma equipe um pouquinho melhor que nós, ia fazer a concorrência tremer...
E arrematava logo, continuando o raciocínio: - O dinheiro que nós temos é este, o tempo que nós temos é este, a equipe que nós temos é esta. E vai ser com isto que nós vamos ganhar este jogo. [3]

Foi então que eu ouvi Valente falando comigo, disposto a não deixar barato esta história: - Vai ser com o que nós temos que nós vamos ganhar deste tumor.

Todo animado, peguei minha espada e me perfilei ao lado dele, disposto a enfrentar esta batalha de não deixar o câncer evoluir.



[1] Outro dia encontrei com Bruna, um avião que trabalha com ZéLuiz. Sabe o que ela falou quando me viu? - Schpetáculo!!!

[2] Gordo sempre acha que o problema é a balança.

[3] Fico todo orgulhoso hoje, quando vejo a Cedro estar entre as melhores do setor no país. Dá a sensação gostosa de ter tido dedo meu, ali.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Edição extraordinária 03 - Não vale como história



Guarde bem este dia.

Mas não preocupa porque, se você não guardar, eu guardo.

É que hoje, 17 de dezembro, eu fiz minha primeira hemodiálise sem o catéter.

Meio inesperado, em função de uma ameaçazinha de rejeição, com minhas personal nurses ainda preocupadas se minha fístula já estava suficientemente madura.

Tudo funcionou às mil maravilhas e parece que eu agora fico livre do catéter.

Pra comemorar, que Ciça, minha filha ecocomprometida até o osso, me perdoe, vou tomar um banho de uma hora.

São exatos 110 dias desde que eu entrei na piscina do sítio pela última vez.

108 dias transcorridos desde o último banho bacana que eu tomei, na manhã do dia 01 de setembro. De lá pra cá, só banho tcheco, pra não deixar o catéter correndo risco.


Agora, bacana, estou doido pra ir pro Meu Sítio, nadar com Tomás.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O dia que eu morri - 25



























Maurilo é brother do Diogo.

Mas brother mesmo, de irmão. Não é só gíria não.
É redator da Tom Comunicação e bem competente em tudo relacionado a web.
Toca o blog Pastelzinho, onde sua filha Sophia reina, serena[1].

Eu, por via das dúvidas, acompanho de perto, já que Sophia tem a mesma idade do Tomás, estuda na mesma escola e é dona dos mesmos cabelos encantadoramente encaracolados.
Quer dizer, uma hora...


(É bom que se diga que, refratário à idéia, Maurilo nem escuta, quando eu faço referências a um possível envolvimento entre os dois. )


Um dia, Maurilo postou no blog dele uma declaração de amor pra mim.
Só consegui ler na quinta tentativa.
Antes disto, eu me debulhava em lágrimas já na segunda linha, emocionado com a delicadeza e a generosidade dele.

Ensaiei mais umas cinco vezes pra falar com ele, agradecendo.
O choro vinha, enquanto eu ainda digitava o número da agência.
Aí eu desligava o telefone.

Finalmente, peguei o celular do Diogo e consegui ligar pra ele.
A voz meio embargada, mas eu ainda no controle da situação.
Maurilo atendeu achando que era o Diogo.
Eu comecei a falar, mas cai num choro convulsivo, de emoção.

Maurilo confundiu minha voz com a do Diogo e, jurando que era ele, entrou em pânico:
- Putz, Paulinho morreu!!!

A confusão só se desfez quando Diogo, rindo, me tomou o celular.
No final, nós todos estouramos de rir.


Maurilo, tadinho, deve ter taquicardia até hoje, quando seu celular reconhece o número do Diogo...




[1] Segundo Adriana, Maurilo é nosso web celebrity. Já ultrapassou a fantástica marca de 100 seguidores no Pastelzinho

domingo, 13 de dezembro de 2009

Fácil, extremamente fácil - 24






















Boni é, de longe, um dos caras que eu mais admiro e que está mais presente na minha vida.
Já foi tudo. Nasceu em Rodeador, distrito de Monjolos, um fim de mundo no Vale do Jequitinhonha, colado em Diamantina.
Quando veio pra Belo Horizonte foi gerente de firma de projeto, foi secretário geral do IPUC[1], foi meu colega de sala[2], foi da turma que começou o Centro de Extensão da PUC, me ensinou a organizar meu primeiro evento na Vale, foi do primeiro conselho da Fundação Dom Cabral. Só na PUC Minas deve ter trabalhado mais de 30 anos.

Quando era pró-reitor de extensão da Puc, foi vice-prefeito de Monjolos. Saía de ônibus de Belo Horizonte na sexta de noite, prefeitava sábado e domingo, e chegava na Puc na segunda de manhã revigorado, como se tivesse tido um final de semana na praia .

Morro de inveja do agradecimento do convite de formatura do Pedro, filho dele e hoje cirurgião da Keck School of Medicine da Univerity of Southern Califórnia, que dizia assim: "a meu pai, Bonifácio, exemplo de retidão e caráter".
Simples assim.
E eu, assino embaixo.

Pois não é que Boni, mau como um pica-pau, quando viu minha trapalhada mandando email pra todo mundo com a cópia aberta, me difamava, sarcástico, junto a meus amigos dizendo:
- Isto é estratégia autopromocional daquele gordinho!!!

Boni Fácil me ama...



[1] Nesta época, Boni livrou meu irmão da maior roubada em que ele já se meteu. Paulão usou o mimeógrafo do Ipuc para imprimir os cupons da LoteFoda. O nome do empreendimento dispensa maiores comentários. Boni teve que fazer das tripas coração para que Paulão não fosse expulso do Ipuc. Acho que mamãe nem sonha que, não fosse ele, seu primogênito não receberia o diploma...



[2] Desde que a gente se formou Boni cuida de mim. Acompanha de perto tudo que acontece comigo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Filho Homem - 23


Gêisa virou mil!

Era pilates, consultório, casa, sítio... A peteca não caia de jeito nenhum. E todo dia, dez da noite, ela ia dormir comigo.
Aí ela chegava e, em 5 minutos, o quarto do hospital parecia apartamento de spa 5 estrelas.

Tudo arrumado e no lugar, a sujeira que eventualmente tivesse escapado do pessoal do hospital ia embora. As toalhas milimetricamente arrumadas, cadeiras no lugar, tudo perfeito. As meninas eram só cuidado, ajudando Gêisa em tudo.

Aí você entende a diferença de ter filho homem...

Toda atenção que Gêisa e as meninas tinham no cuidado com o doente ia pro espaço num átimo quando Diogo chegava. A primeira providência, sempre, era ir na geladeira ver o que tinha de gostoso. Só então ele cumprimentava os presentes. Com a boca cheia. Sempre.
No caminho até a geladeira, jogava a mochila infectada de rua na cama estéril do doente. A enfermeira quase morria.

Terminada esta entrada triunfal, Diogo se jogava de forma igualmente apoteótica sobre a cama. Ou a minha ou a do acompanhante. E, invariavelmente, ouvia da mãe:
- Diogo, cama de hospital tem que ser preservada, meu filho...
Com o sorriso mais encantador do mundo, jurando ser a última vez, se desculpava.
- Foi mal, mammy!!!

No mesmo tempo record que Gêisa deixava o apartamento um primor, Diogo transformava tudo em um pardeeiro.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

You're fired! - 22





Tudo bem. Eu sou meio chato.
A melhor coisa que alguém pode fazer quando me pega de mal humor, é sair de fininho e deixar o tempo passar. Aí fala comigo depois e esquece esta parte.

Diogo estava cansado de saber disto. Ele é meu filho dileto há 33 anos. Não custava nada, custava?

É que a gente tinha elaborado uma lista de pessoas que eu queria que ficasse sabendo da evolução do meu quadro. De quebra, isto ainda deixaria meu povo liberado de ter que ficar dando boletins toda hora, repetindo a mesma coisa, quando não tivesse novidade.

Claro que, como toda lista de casamento, com tudo feito na última hora, esqueci de gente inesquecível. Cássia ficou de fora, Sofal ficou de fora, o povo do Zé Antônio e mais um tanto de gente que eu não queria ter esquecido. Mas meio que contava com todo mundo mandando notícia pra todo mundo e com isto meus chegados todos ficavam sabendo.

Diogo ficou com a responsabilidade de disparar os emails pra todo mundo sempre que o quadro se alterasse. E fez isto com um cuidado bacana. Tanto cuidado que, assim que eu saí da UTI ele preparou um resumo de todos o boletins de imprensa que ele tinha mandado e os recados que as pessoas mandavam pra mim. Era emocionante ver aquele tanto de notícia, de gente mobilizada desejando sucesso.

Mas você acredita que, tudo indo bem, no último boletim ele dá uma pisada na bola que me deixou tiririca. Na maior afronta, me acusou de estar meio rabugento.

Nó! Aquilo me taiou o sangue...

Não demorou um dia. Na primeira oportunidade que eu consegui me sentar diante do laptop (aliás, do próprio Diogo) disparei um email pra minha rede com o seguinte assunto: Procura-se um assessor de imprensa.
E continuava: Diogo me chamou de rabugento em um destes boletins de imprensa. Só soube hoje. Está de aviso prévio.

Nunca paguei tão caro pela arrogância. Na falta de prática em função da semana de UTI, mandei a lista com cópia aberta... Foi um tal de neguinho, de gracinha, replicando pra todo mundo, caixa de todo mundo lotada, um desastre[1]. Pra piorar, Teresa Goulart, ela sim, assessora de imprensa de primeira, começou o movimento Volta, Diogo. Só faltou criar identidade visual.
Ele, claro, adorando.

Um dia este menino me paga...

[1] Aproveito a oportunidade para, de público, pedir desculpas pra quem teve sua caixa de emails invadida por este meu escorregão

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

O alien - 21


Ciça, minha filha mais nova, adora assistir sci-fi de madrugada. Mas daqueles trash-movies, bem anos 50, em que o ser alienígena se apodera da mocinha, entra nas células das pessoas e vai se multiplicando a ponto de transformar tudo numa gigantesca e poderosa meleca. Diz ela que fica mais gostoso de você dormir, dando aquele medinho...

Menos quando você está na UTI.

O barulho é diferente. A iluminação é diferente. A temperatura é diferente. De vez em quando, pra quem tem um grau saudável de paranóia (como é o meu caso), a coisa fica com toda a cara de nave Enterprise no meio de uma Jornada nas Estrelas, versão brasileira AIC, São Paulo.
Aí, de vez em quando eu chamava um técnico de enfermagem e inventava uma desculpa. Só pra me resgatar da eventualidade de uma abdução. Dava aquele medo de aparecer o Capitão Kirk e me levar em uma viagem dele ...

Não adiantou nada. A coisa começou a não ter mais controle. Ia aumentando, tomando todo o espaço que encontrava até ficar difícil de respirar. Eu tinha que tentar reverter isto de alguma forma. O medo de ser pego em flagrante ia me fazendo postergar meus movimentos. E a bola aumentando.

Mas chegou a um ponto que não deu mais. Eu comecei a perder o controle dos movimentos de minha mão e meu dedo indicador foi chegando cada vez mais perto. E plá! Chafurdou na minha narina pra retirar aquela meleca gigantesca que já devia estar quase do tamanho do Ibituruna.

O pior da história é que eu esqueci que estava tomando heparina, um anticoagulante dos bons (ou algum nome parecido). Mas foi um tal de jorrar sangue, e eu tentando disfarçar, e eu querendo limpar com o lençol, e eu querendo esconder o lençol sujo, e ...
A coisa estava ficando feia.
Ainda bem que na UTI qualquer anormalidade fica facilmente denunciada. Aí foi aquela humilhação de tomar repreensão do povo todo. Agora, todo mundo passava pelo meu box e balançava a cabeça rindo, com o ar de reprovação que a gente dirige a adolescente pego no ato.

Fiquei arrasado. Mais pela humilhação que pelo mal estar.

Minha vingança foi que, a partir deste incidente, toda vez que o alien se manifestava, eu chamava o Edílson pra limpar meu nariz com cotonete.

Bleargh!!!

Eterna Aliança




Este post é um parêntesis.


Sai um pouco da sequência. Mas o motivo é nobre e quem achar ruim que reclame com Êle.

Aliás, acho que ele é uma consequência direta da Edição Extraordinária. Ou, o que faça mais sentido, a Edição Extraordinária é consequência dEle.

O bacana da foto é Júlio, meu amigo desde pequenininho, cozinheiro de mão cheia. Quer dizer, passou a ser, com este gesto generoso.

Nunca tinha encontrado com o Júlio. Mas o carinho dele me fez voltar a mania de chorar feito menino a cada vez que eu me emociono.

Júlio e Débora são doidos o suficiente pra fazer pilates às 6 da manhã. Gêisa chega um pouquinho depois. E eles, indo fazer uma viagem a Israel e sabendo da minha disposição de não deixar o restinho do câncer voltar, se ofereceram pra deixar um pedido meu no Muro das Lamentações, em Jerusalém.

Quer dizer, na hora que ele me mandou a foto, desidratei...

Mas clique aqui embaixo e fala se não é emocionante. Fala?



domingo, 6 de dezembro de 2009

Edição Extraordinária 01 - Nem conta como história

Esta não está nem numerada. Sai da sequência da história.
É que na sexta eu saí do consultório do Leco walking in the clouds.
Saí da consulta nas nuvens. Não tem nenhum traço de tumor.
Tanto o ultrassom quanto a radiografia, está tudo limpinho, virginal.
De saída, passamos na secretaria de saúde, pra pegar um remédio que substitui a quimio. Doutora Lílian, minha advogada, quebrou o cacete com a Secretaria de saúde. A gente tinha entrado na justiça e consegui ele.
Chama Sutent, da Pfizer.
O potinho, com 28, custa 21.000,00.
Vou repetir, porque você achou que eu errei.
Potinho com 28 por apenas 21.000,00.


Tá tudo dando certo, como Deus quer.
Beijos,

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Tá na hora!!! - 20


Ano que vem é o 40º aniversário da morte do papai. Neste tempo todo, mamãe dedicou sua vida inteira a duas coisas: falar pra gente da saudade dele e conduzir com firmeza e doçura a vida de seus 7 filhos. Cinco meninos e duas meninas, diz ela. E mais Tomás até agora, digo eu.
Ela já passou por algumas ameaças de coração, um câncer de mama e continua com a cabeça ótima, apesar dos joelhos já darem mostra de cansaço nestes seus oitenta e uns anos.

Diz a lenda que eu sou o preferido dela. Ela jura que não faz diferença entre nós. Mas eu gosto bem da cara feliz que ela faz quando eu chego lá em casa. Acho que por isto, coisa mais esquisita que eu já vivi, fiquei com medo de falar com ela, quando estava pra sair da UTI. Mas muito medo mesmo. E isto depois de uma semana de imersão lá naquela cápsula, isolado do mundo.

Outra descompensada das boas que eu dei foi com Nando. Nando é o penúltimo dos sete irmãos. Mora em Resende, aposentado, e conseguiu uma folga das aulas de economia na faculdade pra vir dar apoio pra nós todos durante a operação, com a Ione, mulher dele. Deve ter sido resto de piração de anestesia mas você não acredita o medo que eu fiquei de não ver o Nando nunca mais. Não era claro pra mim se era medo de eu morrer. Ou ele...
O medo era de nunca mais eu ver aquele gigante de quase dois metros de puro bom humor e generosidade.
Engraçado que não tive isto com ninguém. Nem com Tomás.

Terminado o prazo da licença de uma semana, Nando teve que ir embora. E não tinha ido nem uma vez à UTI, pra deixar a oportunidade pra Gêisa e os meninos, já que as visitas eram limitadas. No domingo de manhã, antes de ir embora, ele achou que estava passando da hora de acabar com esta minha bobagem. Irrompeu UTI adentro, surdo às minhas tentativas de querer passar o resto da vida protegido por aquela casca.
Entendi porque que Jill Bolte Taylor, a tal neuroanatomista do livro que a Ju me deu, diz que medo aparece a partir de expectativas falsas que parecem reais.

Mas foi batata. Nando chegou, eu chorava e ele ria. Ficou lá até eu me acalmar. Dizem as meninas que ele é meu maior concorrente no posto de preferido. E que depois desta história, elas diziam que ele tinha virado MEU preferido também. Por via das dúvidas, como lá em casa a gente é muito ciumento, não posso contar esta história pra ninguém, ou meus irmãos caem de pau em cima de mim.

Mas agora você entende porque o começo desta história falava sobre mamãe. Muito espertinha, ela passou a usar a mesma estratégia. Ligava, tadinha, e eu fingia que estava dormindo, aproveitando que ninguém tinha coragem de me acordar.
Gêisa contou pra ela.
E ela, com a maior doçura do mundo, foi ligando, esperando a hora que eu tivesse coragem de atender.
Aí, acabou. Falei com Dona Ester e o medo adormeceu, embalado pela voz dela.
Igualzinho quando eu era menino.

Já estava mesmo na hora de eu encarar o mundo.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Emo - 19




Todo dia de manhã, chegava aquele trambolho na UTI. Era uma caceta de um robô, pesadão, desengonçado, que fazia um barulhão danado quando as rodinhas rangiam contra o piso da UTI, diriigida por um baixinho transbordando de simpatia, .

Já de cara, eu fiquei resistente com a máquina, tadinha. Eu nem bem tinha começado e meu ato falho mais recorrente era me referir a ela como hidroginástica. Não era piadinha, não. Era ato falho mesmo.
O tal baixinho era Hélio, o técnico que ia me aplicar nesta história de hemodiálise, que promete ser minha companheira por um longo tempo.

Hélio era uma figura interessante. Fazia teologia e se preparava para ser pator. Com isto, a formação dava a ele uma cultura bem fundamentada e ele gostava de saber que a gente podia enveredar por bons papos. Eu também, pra falar a verdade.
Ele tinha uma curiosa noção de limite. Não ria mais que o razoável, não provocava assunto mais que o esperado, nunca forçava ... Tudo meio que respeitando eu me familiarizar com a nova rotina. Afinal, cada sessão de hidroginástica, aliás, de hemodiálise, tomaria 4 horas onde, fisicamente, não via nada acontecer. Hélio chegava, me plugava na máquina e pronto. Ficava eu me defrontando com a maldição do relógio da UTI.
Era que nem quando você enche o tanque do seu carro. Estaciona ao lado da bomba, espera um tempo, e voilá. Estava feito
Era isto.

Mas rapidinho eu me resolvi com a máquina. Não havia nada o que fazer. Aquilo era vital e não me causava absolutamente nenhum incômodo. Nenhuma dor, nada... Mas, por outro lado, eu não conseguia fazer mais nada. Não conseguia ler, não conseguia prestar atenção em outra coisa. Ficava olhando, maravilhado, tentando entender como aquela geringonça lavava meu sangue e me deixava momentaneamente estabilizado. Até a próxima sessão.

Rapidinho, comecei a gostar da máquina ...

domingo, 29 de novembro de 2009

Manteiga derretida - 18



Aliás[1], temos que convir que relógio de UTI tem seu lado bom. Tempo era o que não me faltava.
Nem interlocutor.

Como as visitas eram proibidas e eu ficava sozinho o dia quase todo (e a noite também), eu buscava quem eu quisesse e batia longos papos.

O povo da enfermagem ali, meio cabreiro, achando que eu estava delirando.
Que nada. Eu estava virando um contador de história. Estava repassando minha vida toda para o Valente, que eu ainda nem sabia que existia.

Lembrava de mamãe me esperando acordar no Delfim Moreira. Do tempo e do jeito que eu voava. Do dia que eu caguei nas calças e passei na frente da minha paixão, todo fedorento, em Vila Velha. Lembrava de eu e Cuca no Pandiá, do tanto que Dona Olga era doce e a Lilu era linda. Do dia que eu ganhei a bola de futebol de salão como melhor aluno de matemática do Duque de Caxias. Da minha ida pro Loyola (pegando carona na Rural com Dona Hayde) porque queria ser padre e tomei bomba em religião. Lembrava da minha ida pro Estadual, onde era percussão e backing vocal d’Os Impossíveis com Marcelinho. Da Teresa e da Ligia, da Betinha e da Tânia, do Augusto me ajudando a dar o maior agá no seu Pedro pra poder beijar eu a Lu e ele a Beth, as duas irmãs da Luiza, o meu anjo da guarda que primeiro identificou a p!+{Ü do tumor...

Lembrava de eu chegando pra Almir e perguntando qual era o telefone do Arroz Paranaíba, cliente da Meta. E ele respondendo, sem tirar o olho do que estava fazendo:
- Procura no catálogo, na letra A, de Arroz Paranaíba.
Almir era assim. A gente era colega de escola e ele assumiu, do nada, a tarefa de me transformar de menino mimado em profissional e me fez desenvolver iniciativa e visão de projeto. Dava autonomia pra gente a semana toda e sábado tinha a “Sessão de Esporro”. Era como Vítor e eu chamávamos as reuniões de feedback, onde Almir se fazia de Mentor a nós, seus Telêmacos, apontando o que tínhamos feito certo e corrigindo o que tínhamos errado.
Eu lembrava disto e chorava.

Lembrava de Herval, diante do meu pedido de demissão da Vale porque eu não estava gostando do trabalho que estava sendo feito em Vitória, todo cuidados, me perguntando:
- Te interessa saber minha opinião?
O engraçado é que eu nem lembro do que a gente conversou depois. Mas esta pergunta ficou para sempre gravada em mim como marco do respeito do limite na relação entre duas pessoas.

Lembrava da ousadia do Emerson, visionário, me falando:
- Estou indo pra Brasília amanhã, fechar um acordo com o governo da França. Não sei pra onde, não sei pra que, não sei pra ganhar quanto. Mas se fechar é você. Quer?
Aceitei na hora.
Falei com a Gêisa, com a mesma (im)precisão que ele tinha me falado.
Ela aceitou na hora.
Eu lembrava disto e chorava.

Lembrava de eu, ouvindo do Sílvio:
- Não preocupa que eu não deixo ninguém encostar a mão em você. Mas eu não quero que você vá pra casa sem experimentar tudo.
E completava, com um sorriso irônico:
- Mas acerta de vez em quando, ...
Eu lembrava disto e chorava.

Lembrava de Camilo me dando boas-vindas e definindo, na lata, como ele adorava fazer:
- Gordinho, nós só vamos brigar se você errar duas vezes do mesmo jeito.
Eu lembrava disto e chorava.

E lembrava de Gêisa e dos meninos, da mamãe e dos meus irmãos, todo mundo se fazendo de forte, chorando escondido, pra não me deixar esmorecer.

Lembro de tudo isto até hoje, e choro, emocionado com o apoio que todo mundo me dá.




[1] Herval, designado pelo Alberico pra ser nosso mentor na Vale, dizia que o grande desafio da vida dele era começar um texto por Aliás. Lembrei dele hoje, enquanto escrevia e chorei, de pura saudade...

sábado, 28 de novembro de 2009

A regra do jogo - 17



Eu já tinha percebido que minha sensibilidade estava à flor da pele. O choro vinha fácil e convulsivo.
Gêisa e os meninos ficavam apavorados, quando me viam me debulhando em lágrimas, achando que era depressão das brabas.

Pra mim, não tinha o menor problema. Sabia que não tinha uma gota de desespero no meu choro. Era tudo choro bom.

Mas eu já tinha percebido como a coisa funcionava. Da mesma forma que eu, quando morava na França, comecei a identificar procedência das pessoas (cara de português, cara de espanhol, cara de escocês), comecei a ficar craque em perceber quem me fazia bem, quem me trazia boas lembranças. Eu comecei a perceber quem me dava força e, mais importante, como estabelecer a relação de forma que a pessoa me gerasse bem estar. No princípio fiquei com medo disto ser uma reação meio egoísta. Mas no final, percebia que isto acabava fazendo bem à pessoa com quem eu estava me relacionando também.

Foi ótimo. Aprender isto fez minha relação com a equipe de enfermagem (os técnicos [1] e enfermeiros) ficar muito mais doce e suave. O jeito que eu recebia eles determinava o padrão da relação. Aí, eu dei a maior sorte. Só caía gente boa na minha mão. Teve só um dia que deu errado. Mas é história lá pra frente ...

Mais tarde, vi esta tática descrita, cientificamente. Está no livro “A cientista que curou seu próprio cérebro”[2], da Dra. Jill Bolte Taylor. A autora é pósdoutora em neuroanatomia e dava seus cursos em Harvard. E não é que, ironia, a menina teve um derrame...? É curioso ver ela contando da coisa com o rigor de uma cientista do ramo e depois como ela reagiu a isto.

No livro ela fala que havia aprendido a identificar gente que supria e gente que drenava a energia dela. E como ela ia se aproximando mais de uns e se afastando dos outros. Acho que era mais ou menos isto que eu fazia, meio que institivamente.

Ao mesmo tempo, ia lembrando de gente que, ao longo da minha vida foi me ajudando a crescer. Aí, era aquela rotina. Eu lembrava e chorava, lembrava e chorava ...

Só não dava certo com o Xande. Com a cara mais lavada do mundo, ele me manteve, inflexível, os oito dias previstos na UTI me garantindo, todos os dias, que amanhã, no máximo depois, ele ia me tirar dalí e me mandar pro quarto.



[1] Apesar de eu já ter aprendido isto no meu período de Santa Casa, Cláudia do Wagner, minha paixão de faculdade (o Wagner não, a Cláudia), que é enfermeira, fez questão de que isto fosse explicitado.
[2] Quem me deu o livro foi Ju, doutora bambambam em biologia na USP e filha do Sineval, meu irmão de São Paulo. Que, além de fazer um trabalho belíssimo em Liderança e Criatividade, é da Velha Guarda da Escola de Samba Águia de Ouro (a Ju não, o Sineval).

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Festa no apê - 16

Xande apareceu na minha vida quando eu comecei a namorar a Gêisa.
Eu já era bem mais velho. Devia ter uns 19 pra 20 anos. Ele ainda devia contar idade com um dígito, eu acho.
De lá pra cá, sempre que a gente se encontra é motivo de festa.

Sabendo que lá em casa qualquer coisa virava celebração[1] e que isto não seria nada bom pra minha recuperação, Xande agiu rápido. Deixou um aviso seco, ríspido e direto na portaria do hospital:
“Proibido visitas”.
Ponto final.

Adiantou pouco.

Primeiro que na família tem médico a dar com pau. E esta ameaça não vale pra médicos em ambiente hospitalar.
A começar pelo Xande, o autor da restrição. Era só ele aparecer e, do nada, nós dois começávamos a rir.
Gilson, irmão da Gêisa, vinha e dava notícia. Edvaldo da Gina me obrigou a pedir desculpas por eu já ter sido apaixonado com a mulher dele na adolescência.
Dr. Sensei, meu angiologista, apareceu algumas vezes. Na melhor tradição nipônica, não abria a boca. Apenas meneava, respeitosamente, a cabeça e, com as mãos, me dava indicação pra fazer exercício com as pernas. Um novo menear de cabeça e saía. E me deixava, niponicamente também, rindo feliz. [2]
Os residentes morriam de medo de mim. Maila, irmã da minha filha Lisa, era professora deles na Federal. João Gabriel, meu lord predileto e tutor na minha atribulada relação com meu excesso de peso, também. Os dois, habitués no meu chatêau.
Com seu refinadérrimo senso de humor, João resumiu assim minha boa recuperação:
- Se você me permite a licença poética, eu fico muito satisfeito de vê-lo nestas condições.
E me deixava encantado com seu discreto sorriso.
Maila, professora delesChegou a ponto de um residente um dia despedir de mim falando assim:
- Sábado é minha folga mas eu acho que eu venho pra cá. Aqui fica mais animado do que qualquer balada que eu possa ir...

O que, pensando melhor, me fez muito bem. Diz a lenda que quando você passa por anestesia, fica chorão com força. Aí, foi só confirmar a lenda com os médicos, que deviam estar acostumados com esta coisa.
Era só chegar um desavisado e eu destampava a chorar.
Em tempo: um dia chega um médico que eu nunca tinha visto mais gordo (nem mais magro) e falou assim:
- Eu sou o Dr. Sérgio Negri, filho da Socorro Coelho e minha mãe mandou um abraço.
Elegante, agradeci, sem ter a menor idéia de quem pudesse ser Socorro Coelho.
Quando perguntei pra mamãe, ela esclareceu, liguei pro Sérgio e passei-lhe o maior sabão.
Sérgio era filho da Socorrinho do Tio Omar.
Acho que nem eu nem ninguém já tinha se referido à Socorrinho como Socorro Coelho...

[1] A gente volta a falar disto mais na frente...
[2] Ricardo, filho dele, cardio, ia muito com a Bibi. A gente rachava de rir da minha imitação da elegante postura do pai dele.







domingo, 22 de novembro de 2009

Slow Motion - 15


Não conheço nenhum estudo científico a respeito.

Mas acho que o fenômeno deve se repetir nas UTI’s do mundo inteiro.
Relógio de UTI anda mais devagar que os outros.

Ponto final.

Você olha, 03:15. Aí, vai ler um livro, reza, faz exercícios com os pés,...
Olha de novo umas duas horas e meia depois, e o relógio, inflexível, 03:17.
Enfermeiro vem, mede sua pressão, tira sangue pra exame, arruma sua cama,... Você olha e tá lá: 03:18.

Vou sugerir para o povo da Fórmula 1 pra instalar uma UTI nos boxes durante as corridas. Aposto que o tempo médio dos pit stops vai passar a ser de 0s72”, de 0s97”. E com mecânico fazendo bobagem até não poder mais.

O relógio da UTI contradiz até a música do Cazuza.


Lá, o tempo pára.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Seu Benício - 14


A UTI devia ser uma das bitelas.
Eram uns 20 boxes, mais ou menos. Box mesmo. Igual os de oficina mecânica. Uns 10 de cada lado com o corredorzão no meio.

No começo eu fiquei meio chocado. A gente não tinha um mínimo de privacidade, pensava eu, recém chegado e já querendo cagar regra. Que, diga-se de passagem, durante quase duas semanas, a única coisa que eu conseguiria cagar era regra. Mas disto, a gente fala depois.

Aí, com pouco tempo de casa, percebi que era aquela organização que garantia que a equipe de enfermagem oferecesse o melhor atendimento pra nós doentes que estávamos ali. O tempo todo a equipe de enfermagem mantinha o controle da situação. Uma olhada rápida e era fácil pra eles identificar qualquer não conformidade e intervir rápida e eficientemente.
O ruim era só que eu, com esta minha fantasia permanente de onipotência, detestava a idéia de ser vigiado o tempo todo. E o pessoal, atento, se eu mudasse o ritmo da respiração, aparecia pra checar se estava tudo bem.

Eu teria que passar 8 dias sob observação. Xande, meu urologista, já tinha me prevenido isto. Não era sinal de nenhuma gravidade. A observação era parte do procedimento.
Ponto final.
Ocorre que neste ambiente eu era o filé. O dodói da equipe. Chegava neguinho estourado de acidente, entre a vida e a morte, paciente terminal na pior, brigando por um fio de esperança, uns sobressaltos na equipe de vez em quando, ... E eu, comparado com eles, esbanjando saúde. Era ou não era um filézinho?

Logo que eu voltei da operação, fiquei com a emoção à flor da pele. Qualquer coisa me fazia chorar feito menino. Ia conversar com a Ciça, desabava a chorar. Gêisa chegava, e eu abria a mangueira. Virei a maior manteiga derretida.

E aí, justo na minha frente, ficava o seu Benício. Seu Benício era um trabalhador rural, que brigava com um câncer há mais de seis meses. Entrava, saía, ia pra casa, voltava, ... Ficava neste rame rame.
O filho dele, rosto queimado do sol do campo, vinha e ficava triste, amuado, sentado em um canto do lado da cama dele.
Todo dia.

Seu Benício já tinha a voz comprometida com uma traqueotomia que tiveram que fazer nele, por causa do câncer. Queria beber água e não podia. Pra piorar, a voz não saia. Agitado, ele batia na ferragem da cama, obrigando o pessoal a dedicar a atenção que ele não conseguia pela falta da voz.

A noite toda seu Benício batia na grade da cama. Eu acompanhava aquilo com o maior respeito. Pra mim era um jeito de Seu Benício mostrar que não entregava os pontos. E eu chorava baixinho, lembrando que Seu Benício era meu Richarlysson. O drama dele fazia o meu parecer brincadeira.

E ficava triste, solidário, imaginando se haveria, meu Deus, alguém que fosse um Richarlysson[1] para o Seu Benício?



[1] Vai lá na história 06 se você estiver se perguntando quem, ó raios, é este tal de Richarlysson.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Brave Heart - 13





Não é que eu seja exatamente um modelo de coragem. Que Valente não nos ouça, mas eu diria até que estou bem longe, quilometricamente longe, disto.
Tem duas coisas que eu particularmente me pélo de medo: agulha e hospital. Prefiro mil vezes atravessar uma rua escura à meia noite do que fazer exame de sangue ou me internar em hospital. E os próximos dias prometiam ser pródigos nestas oportunidades.
Foi aí que, brincando com Tomás, eu enxerguei a solução.
O caminho era simples e Tomás o executava com maestria. Toda vez que a gente estava brincando e eu acuava Tomás em um canto, ele cobria seu rosto com um paninho ou fechava os olhos. Pronto.
Ficava invisível.
Ou desaparecia, sei lá. Mas não falhava nunca. Tanto que quando eu o pegava, não valia. Tomás não estava ali...
Eureka!
Era só levar a tecnologia comigo.
O resultado é que eu não conheci nenhuma das salas de cirurgias por onde passei. Toda vez que eu ia entrar, fechava os olhos ainda no corredor e lá ia eu, com Tomás ao meu lado, me acalmando. O legal é que não falhava uma. Tira rim, põe cateter, põe fístula, tira sangue... Chegava agulha perto de mim, era só fechar o olho e o problema estava resolvido.
Tomás, te devo mais esta!

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Diz a lenda - 12


Aí eu não tenho idéia de mais nada.
Mas diz a lenda que eu fiquei umas 8 horas na mesa de operação. Estou pensando aqui, eu e minhas dobrinhas de pneu Michelin, que, da mesma forma que eles não falam a palavra câncer, eu nunca falei com eles sobre como foi esperar notícias vindas do centro cirúrgico.
Mas diz a lenda que o primeiro passo foi retirar o trombo da veia cava. Era ele o Ó do borogodó. Sem esta retirada, não adiantaria muito extirpar o rim com o tumor. Xande havia feito um corte na minha barriga parecendo um sino. Era uma boca do Coringa do Batman, só que de cabeça pra baixo.
Aí, Geléia, o cardio, assumiu o controle e, que nem um roto-rooter, fez a minha veia cava ficar que nem a Linha Verde no dia da inauguração. O sangue fluía, livre, leve e solto.
Limpo o meio de campo, Geléia passa a bola para o Xande. Tudo sob o olhar cuidadoso do Dimas[1].
Acho que já tinha falado isto, mas reavivo sua memória. É que pra valer a pena tirar o rim, o trombo precisava de não mais obstruir a veia cava. Deu certo a primeira parte, aí partiu pra segunda.
Finalmente, os pontos.
Você não faz idéia do serviço bonito que o Xande fez. Diz a lenda que os pontos todos foram internos e a cicatriz mais parece uma tatuagem. Ficou tão bonito que outro dia um amigo meu que não sabia desta história toda, estranhou me ver tão magro. Comecei a inventar que tinha feito cirurgia bariátrica. E ele gostando da minha leréia, e eu gostando do que eu ia inventando, aos borbotões. No final, logo antes de eu desmentir, ele já queria indicar meu médico pra uma amiga dele, supervaidosa, que não faz a cirurgia por medo da cicatriz. Sem quelóide nenhum.
Aí, me mandaram para a UTI, pra 8 dias de observação.

Tava muito bom pra terminar aqui.

Diz a lenda que Ciça, minha filha mais nova, foi a primeira a aparecer pra me visitar. E foi brindada, coitada, com um acesso de tosse (algum reflexo da operação) que quase fez a menina desmaiar, de susto.
Diz a lenda que, enquanto virava os olhinhos, só deu tempo dela gritar pra enfermeira:
- Moça, acode aqui que meu pai está passando mal...

[1] Engraçado que só hoje, escrevendo isto, me vem na cabeça a música do Chico que fala “ó metade arrancada de mim”. Deu uma saudade do meu rim esquerdo agora, ...

domingo, 15 de novembro de 2009

Dia D - 11


Dia primeiro de setembro, 05:30 da madrugada. Toca o despertador e corro pro chuveiro. Eu tinha que estar no Hospital Luxemburgo dali a uma hora.

Não fazia idéia que aquele ia ser o último banho decente que eu ia tomar nos próximos 3 meses.
Soubesse eu da dor de cabeça que o cateter me geraria pra entrar no chuveiro, acho que até toparia acordar meia hora ainda mais cedo, só pra deixar a água ficar gostosamente me acariciando, cálida.

Mas aí, começou a trava. Ao contrário do que acontece toda manhã, minha visita ao banheiro foi, se é que você me entende, infrutífera. Nada!!!
Paciência. Depois eu completo o serviço...

Lisa tinha dormido conosco, solidária. Diogo, para garantir que Tomás seguisse sua rotina diária na escola, acompanhava, agoniado, de longe. Pela primeira vez na vida, todo mundo estava na mesa do café às 06:00 da manhã. Saímos de casa, todo mundo com um sorriso amarelo, a tempo de chegar na hora no hospital. O trânsito fluindo rápido, já que ninguém se levantava àquela hora da manhã.

Chegando lá, a única coisa capaz de me fazer rir feliz, naquela hora.
Du, meu amigo claustrofóbico da história de agosto, me esperava na porta. Tinha acordado ainda mais cedo que eu, só pra me dar apoio na minha entrada no hospital. Ficamos lá, rindo da nossa angústia, rezando, cada um à sua maneira pra dar tudo certo, enquanto não chegava a hora de eu ser encaminhado ao bloco cirúrgico.

Pra completar, aquele serviço incompleto, citado há uns três parágrafos aí pra cima, começou a dar sinais, piscando, de que tinha resolvido aparecer. Aí, corri até o banheiro do hospital e a coisa rolou. Saí de lá com a cara mais de inocente que eu consegui, vestindo já a roupa pra entrar na sala de cirurgia, deixando para trás um pedaço de mim.
Despedi de todo mundo, consegui controlar maldisfarçadamente o choro e deitei na maca, para que Igor, um negão simpaticíssimo de quase dois metros de altura, me encaminhasse até a sala de cirurgia, onde encontrei com meu primo Xande, o urologista que comandaria a intervenção. Xande, delicado, me avivou a memória, me livrando de uma pequena saia justa. Percebendo que eu olhava pro anestesista com cara de te conheço de algum lugar, Xande, um diplomata, brincou comigo, chamando a atenção para seu companheiro de equipe. Xande falou:
- Olha o Dimas aí, Paulinho.
Aí a cara de Dimas me voltou a ser familiar. Era o médico que fez a consulta pré-operatória comigo e com Gêisa e havia se colocado à disposição pra qualquer dúvida que a gente tivesse. Qualquer, havia ele ressaltado. E conduziu a coisa com tanta leveza que eu tive a oportunidade de tirar todas as dúvidas que eu tinha sobre o que me esperava.

Foi a última coisa que eu me lembro. Meus olhos se fecharam e, pelas notícias que me deram, devo ter ficado umas oito a nove horas entregue aos cuidados daquela equipe.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Veja bem, ... - 10



Tudo bem que eu não sou dos mais espertos. Mas foi curioso como, neste processo todo, ninguém fala a palavra câncer comigo hora nenhuma. Quis muito que, desde a primeira hora, todo mundo soubesse de tudo. Falei logo com Gêisa e os meninos, com meus irmãos e meus cunhados, escancarei logo tudo com mamãe. Soldado, meu irmão, me perguntou até onde mamãe sabia.
Tudo, eu falei.
Mas parece que há meio que um código quando as pessoas conversam com quem está com câncer, que faz o fardo ficar mais difícil de ser carregado.

Todo mundo só fala em tumor, com medo da vibe da palavra. Ocorre que, pra mim, sempre que eu tinha tumor nas minhas férias em Valadares, era aquele tufo branco que aparecia por causa das ínguas, e que quando estourava saía pus.
Era batata.
Só passar basilicão e pimba. A gente drenava o furúnculo até a saída do carnegão. Depois, era passar arnica e tudo ficava bacana[1].

Será que era isto que o Xande ia fazer no meu rim?

Então, pra que a consulta com o oncologista, que todo mundo falava pra eu ter, depois da operação, se já teria limpado o tumor?


Acho que foi por isto que eu me apaixonei com o livro do neuropsiquiatra francês David Servan-Schraiber, que saiu pela Fontanar. O livro chama Anticâncer. Ganhei dois, de dois amores da minha vida, Adriana e Cecília. Ele começa o livro já desnudando o estigma. Logo no primeiro parágrafo, na Introdução, ele chuta o balde e diz, assim, de cara:

“ Todos temos um câncer dormindo em nós. Como todo organismo vivo, nosso corpo fabrica células defeituosas permanentemente. É assim que começam os tumores. Mas nosso corpo é também equipado com múltiplos mecanismos que lhe permitem detectá-los e contê-los. No Ocidente, uma pessoa em cada quatro vai morrer de câncer, mas três em cada quatro não morrerão. Para estas últimas, os mecanismos de defesa terão derrotado o câncer.”

Fala se a conversa assim não é mais legal que o cerca-lourenço...?

Vou dar é um jeito de facilitar a vida dos meus mecanismos de defesa pra eu ficar naqueles ¾ bacana.



[1] É engraçado, mas eu só me lembro de eu com íngua nas férias e na casa da vovó. Jeito ruim de anuviar o prazer das férias...


Cachorro doido - 09


Agosto, como de hábito, mereceu o folclore que lhe é atribuído de ser o mês do cachorro doido. Nunca entendi direito o que significa isto, mas me pelava de medo, quando ouvia.
Agosto, pra mim, foi um exame em cima do outro. E o tempo todo, brigando com o tempo.
Xande precisava concluir o diagnóstico e, ao mesmo tempo, as coisas precisavam ficar prontas para o dia 08 de setembro, dia que o centro cirúrgico tinha sido reservado pra mim.
Aí começou. Fiz Ressonância Magnética do Abdome, Tomografia Computadorizada do Abdome e Pelve, Tomografia Computadorizada do Tórax e EcoDoppler Cardiograma.
Parecia agenda de executivo importante. Tudo cheio...
No final, Xande me pediu uma Cintilografia dos ossos pra ver se o câncer teria eventualmente se espalhado pelo corpo afora.
E aí, finalmente, uma notícia boa: o tal trombo da veia cava, que eu contei pra você no capítulo 05, funcionou como um obstáculo pras células cancerosas se espalharem. (Caso você tenha perdido esta parte, desce lá e relembre o que é trombo. Menos o Xande, que vai ficar chocado com minha tradução vulgar do caso clínico dele).
E isto, no frigir dos ovos, me ajudou pra danar. O resultado da Cintilografia acabou deixando o Xande animado. Na carona, eu mais ainda.
Fechamos agosto com chave de ouro. Consegui marcar as consultas com a nefrologista, com o anestesista e Tuné, cardio, conseguiu entregar o Risco Cirúrgico a tempo do Xande aproveitar uma oportunidade na agenda do Centro Cirúrgico e antecipar a operação para o dia 01 de setembro.

Nesta história toda, só morri de dó do Du, meu irmão há mais de 40 anos e que é claustrófobo praticante. Eu contava pra ele como era entrar na máquina de ressonância e ele começava a suar frio. Um horror só.
Pra ele.
Pra mim era mais tranqüilo. Eu conseguia até rir do meu medo de não caber naquela circunferência excludente da máquina.

Vou falar com o Guga, atleticano e engenheiro da Siemens na Alemanha, que eles deviam pensar mais nos gordos, quando fazem suas máquinas de ressonância. Não tivesse eu perdido meus quilinhos, estava entalado lá até agora...

domingo, 8 de novembro de 2009

O patrono - 08

Marcelo é meu irmão desde a época em que a gente foi colega de faculdade. Fiz questão de contar, eu mesmo, pra ele. É o tal que me desligou o telefone na cara, em alguma história aí pra trás.
Dois dias depois Marcelo me liga e me dá uma aula:
- Tem umas entregas que não tem como a gente recusar. Não adianta dizer que não mora mais aqui, que quer só uma parte, que aquilo não é pra você, que é pra outro, que é pra deixar só metade...
Nada de pelo menos uma parte. É o pacotinho inteiro. Tem que aceitar tudo, e viver feliz com ele.

Mas esta história do pacotinho me faz muito pensar em São José e faz dele quem cuida de mim e do Valente. Imagina o Anjo do Senhor chegando e falando assim:
- Senta aí, José. Deixa eu te falar um negócio. Sua mulher está grávida, o pai não é você, vocês vão ter que fugir de casa pra proteger este menino deixando tudo pra trás, você vai ter dificuldade pra arrumar hospedagem, vai ter que dormir em manjedoura, vão tentar matar este menino e com isto vão matar vários judeuzinhos da idade dele, você vai ter que fugir de novo, você vai encontrar este menino dando de sabe tudo com os doutores do templo, ele vai malhar vinho em festa de casamento, o menino vai morrer cedo, crucificado,... ele vai te dar um trabalhão que você não faz idéia e ninguém nunca viu nada igual. Você vai ter que dar suporte pro menino e pra mãe dele o resto da vida e seu papel nesta história vai demorar a ser reconhecido, conclui o emissário, temeroso da resposta.
Sereno, São José responde:
- Tou dentro!

Penso sempre nisto, quando olho e vejo Gêisa, meus meninos, minha família e tudo que a gente já passou junto.
Fala se não é bacana?

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Minha turma - 07


Teve uma época, logo no comecinho, que eu fiquei com aversão a lugar comum.
Neguinho vinha me falar que estava torcendo para que tudo desse certo, já ficava eu emburrado, com a tromba de fazer inveja em elefante (por falar em lugar comum...). Pra mim era evidente, uma vez que isto era default pra quem gostasse de mim.
Minhas filhas eram extremamente rigorosas com esta reação minha que elas chamavam de estranha. Elas brincavam dizendo que eu ia terminar rodeado apenas do pessoal da Pastoral da Saúde. E que meus amigos, cansados da minha chatura, iam acabar me deixando de lado.
Depois, avaliando melhor, cheguei a uma estarrecedora conclusão. Meus amigos, meus mais chegados, eram todos esquisitos mesmo. E eu ficava felicíssimo com eles.
Marcelo, quando contei pra ele, desligou o telefone na minha cara.
Lisa não acreditou.
- Na cara, pai? Deixou você lá, ouvindo: tu, tu, tu,...?
É. Na cara. Por ter ficado assustado com a notícia.
Dois dias depois ele me liga e me dá uma lição. Mas isto é assunto de outra história.
Gordo despencou de Brasília aqui só pra ficar a tarde inteira rindo comigo. Voltou de noite. Acho que só eu falava. Mas ele sempre foi calado assim comigo. Mas a gente riu igual menino...
Boni, quando eu contei pra ele, falou assumindo seu jeito lacônico de fingir que não se emociona por nada:
- Quando tiver tudo resolvido, me liga de novo.
Celinho, pedi que ele viesse aqui, pra falar com ele ao vivo. Entrei no carro e saímos para dar uma volta no quarteirão. Contei:
- Tou com um tumor no rim e vou tirar fora.
Ele chegou na porta de casa, parou e saiu de novo pra uma segunda volta, com os olhos cheios dágua, sem abrir a boca. E a partir daquele dia, Celinho me ligava todo dia. Pra nada. Só pra mandar um beijo.
Lac me manda um vasinho de flor e, junto do cartão, o papelzinho da doação de sangue.
Mário plantou uma crônica no jornal.
Cada um mais esquisito que o outro, mas me mostrando, do nosso jeito esquisito, o quanto a gente gostava um do outro.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Pensa no Richarlyson - 06


Lisa, minha filha do meio, nasceu pra trabalhar com web. Pensa web, respira web, planeja web, tudo dela é web. Manja do assunto pra danar. [1]
E eu lá, com a cabeça fervendo, a mil, esperando a marcação da data da operação, sem saber direito o que me esperava, recebo um email dela, que dizia assim:
- Pai, está triste? Pensa no Richarlyson.
Junto, me mandou o link de um blog de um menino de 13 anos, filho de jornalistas esportivos, e que era louco com futebol, cujo link vai aqui, pra quem também for fanático pelo assunto.(http://colunistas.ig.com.br/mauriciostycer/2009/08/16/um-menino-de-13-anos-da-uma-aula-sobre-richarlyson/) .
A bem da verdade, fiquei com um pouquinho de preguiça do menino, meio bem articulado demais pra quem tem só 13 anos. Deu a impressão que era daqueles meninos chatos, oniscientes, que já sabia o caminho das pedras desde sempre. Achei que ele faria melhor se fosse jogar bola, em vez de estar atualizado até o osso sobre a questão.
Mas como o assunto do link era preconceito, deixei o meu de lado pra compartilhar a história com você.
Lá vai:
“...
Ontem eu estava reclamando com meu pai da escola, dizendo que ela enchia o meu saco, que me sentia deprimindo com a “má fase” dos últimos tempos. Na lata, antes de desligar o telefone, ele me respondeu: “Tá triste? Pensa no Richarlyson.” Em um ato incomum nos últimos tempos, obedeci-o. E senti dificuldades em dormir. Porque fiquei pensando. E por bastante tempo. Confesso que caiu uma lágrima quando eu me lembrei do jogo entre São Paulo x Goiás, no ano passado, quando na comemoração pelo título, ao invés de gritarem o nome de Ricky (como gritaram o de seus 23 companheiros), entoaram um imbecil “Bicha! Bicha!”
Imagino como deve ser para ele ver a torcida Independente (depois falo dessas antas) gritando o nome do Sérgio Motta (com todo o respeito) e não o dele. Um cara que deu a vida pelo São Paulo em 2006, 2007 e 2008. Que para mim, mais que Thiago Neves e que Hernanes, foi o melhor jogador do Brasileiro em 2007.
O cara é xingado no Domingo, e treina na Segunda. Dando o máximo de si. É o mais simpático possível com os companheiros. Não deixou de me cumprimentar em todas as vezes em que visitei o CCT do São Paulo. Antes de eu ir lhe pedir autógrafo. Mais gente fina impossível. Humilde.
Eu não sei se Richarlyson é homossexual. Também não quero saber. Mas sei que ele é um exemplo. Um exemplo para todos que se sentirem mau em momentos difíceis. Pense em como é viver um momento difícil, tendo todos contra você durante mais de três anos seguidos. Sei que, desde os tempos do Aloísio, não vejo um cara tão gente boa no elenco do São Paulo. E olha que tem muita gente boa ali.
Não sei se os atos que ele faz são homossexuais. Não quero saber, afinal saber para que? Se eu descobrir que ele é um homo que pega 20 na parada gay, ou que ele é o cara mais macho do mundo, vou continuar tratando ele da mesma forma. Por tudo o que ele passou, pelo que ele passa, e pelo que ele passará.
As torcidas brasileiras são em tese, muito escrotas. A Independente é uma das que passa muito da linha. Conseguem se rebaixar a um nível de imbecilidade e cultural tremendo, em um passe de mágica. Nada de bom sai dela, tudo. Músicas sem graça e racistas (quem não se lembra da que tem preconceito contra favelados?), atitudes impensadas (rezo para que, pois se forem pensadas, aí chegarei a conclusão que eles tem um QI de formiga), preconceitos expostos e tudo que tem de ruim.
Eu não sei se ele é gay, mas tenho guardada e enquadrada um trecho de uma entrevista de Muricy Ramalho para a revista Trivela em Dezembro de 2006: “Os caras adoram ele aqui dentro. Ele é alegre pra cacete, está toda hora pronto para tudo, nunca reclama de nada, é sempre um dos primeiros a chegar. É determinado e responsável: faz faculdade à noite, quando tem concentração eu libero ele para ir na aula. Ele sabe muito bem o que quer, por isso saiu desta situação. E ele brigou com coisa feia. Eu sei com o que ele brigou, e foi fodido. A palavra é essa. Foi um puta homem. Por isso é que ele superou essa situação”
Concordo com tudo o que Muricy disse. Os imbecis da Independente não tem mente para isso, mas espero que vocês tenham.
FORÇA RICHARLYSON! INDEPENDENTE QUE EMENDE! FORÇA RICHARLYSON!”

Esta história foi avassaladora pra mim. Comecei a pensar na quantidade de gente com problemas muito mais sérios e graves que os meus e que, ainda assim, levavam a vida sem nenhum drama, cheios de esperança e projetos de futuro.
E o melhor da história: eu não entendendo nada de futebol e nem imagino qual seja a escalação do meu Galo. Imagina a do São Paulo...
Mas o efeito foi preciso. Qualquer dorzinha, qualquer tristezazinha ou malestarzinho, já enxergava a figura da Lisa, falando comigo:
- Pai, tá triste? Pensa no Richarlyson!
A grande lição desta história toda é que a gente aprende a ver a exata dimensão da nossa (des)importância. Aprendi direitinho a ver o que é prioridade e o que vale a pena de verdade.


[1] Pois é... Filho dos outros, é um nerd chato. Quando é minha Lisa, é um talento singular.
Quem? Parcial, eu?

terça-feira, 3 de novembro de 2009

A bomba - 05


Pois é!
Na correria, eu viajei e Gêisa iria atrás das guias pros exames do plano de saúde, que Xande ficou de nos passar depois. Luiza e Tetê quebraram mais este galho. Os resultados ficaram prontos na sexta mesmo.
Gêisa pegou e, claro, antes de deixar na clínica do Xande, deu uma olhada e ficou sabendo, antes de todo mundo, do resultado. Estava lá, com todas as letras: t, u, m, o, r.
Na correria, só Gêisa tinha se dado conta que o dia da volta da viagem era o domingo, dia dos Pais. E nem que a bezerra (aquela lá do comecinho) tossisse, ela ia estragar a celebração do meu almoço.
Na segunda, ela me telefona:
- Tá lembrando do Xande?
Eu tava.
Passa um pouco, mensagem no celular:
- Tá lembrando do Xande?
Eu tava.
Depois de uns quatro telefonemas me lembrando do compromisso, ela fala:
- Quer que eu vá lá com você?
Claro que não precisava.
- Mas eu vou, concluiu ela, absoluta.

Cheguei pouco antes das 19:00. Xande esperou que ela chegasse pra nos atender juntos. E foi claro. Falou pra mim com todas as letras o que Gêisa já sabia: t, u, m, o, r.
Aí, me lembrando da dorzinha que eu tinha sentido antes da viagem, com cara mais de blasé e seguro de si que eu consegui na hora, lá fui eu antecipando ao Xande:
- Ainda bem que é no direito, que já não funcionava...
Xande me interrompeu, sério:
- É no esquerdo, bacana. E tem mais: um trombo na veia cava, bem na frente do rim.

Fiquei meio sem chão na hora mas a objetividade do Xande me ajudou a entender o que dizia no relatório.
A melhor solução era retirar o rim. E com o rim direito sem vascularização, isto significava hemodiálise. Mas isto só podia ser feito se a retirada do trombo desse certo.

Pra você que não é do ramo, trombo é um chouriço que se instalou onde o sangue devia correr livre, leve e solto. É meio que uma bomba relógio. Soltou um pedacinho do chouriço, é AVC ou trombose. Daí a prioridade dele na história.

Saco... Mas fazer o que? Vamos nós, acabar logo com esta história.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

The day before - 04


Eu estava envolvido com um projeto revolucionário. Tratava-se de preparar um grupo de perto de 1.300 empreendedores do Brasil todo pra tocar seu próprio negócio. Eu fiquei com uma parte do conteúdo de Marketing, e ia ajudar este povo a fazer bonito em Recife, Rio, São Paulo, Ribeirão Preto, Belo Horizonte e Santa Rita do Sapucaí.
Todo mundo doido. Todo mundo gênio. Era inovação pra dar com pau...
Aí, na véspera de eu viajar pra Santa Rita, eu estava conversando com Pingo na entrada do meu prédio. E me deu uma dorzinha do lado direito, entre o rim e a virilha. Só isso. Pronto, acabou. Nada mais complicado.
Quando entrei em casa, fui no banheiro fazer xixi.
Apesar da vontade, nada do xixi sair...
Lá pela terceira tentativa, eu começo a perceber, como se estivesse enxergando, uma pelota percorrer toda a extensão do meu pinto e cair no vaso, fazendo ploft. O vaso ficou todo vermelho de sangue. Pronto, mais nada. Acabou...
Só não acabou meu pânico, com medo do que podia ocorrer na viagem pra Santa Rita.
Corri no telefone pra falar com Xande, primo da Gêisa e meu urologista. Imediatamente, ele já entrou em contato com Tetê, prima nossa também e bambambam de diagnóstico de imagem. Tetê furou as filas todas e garantiu que eu fizesse os três exames que Xande queria na quinta, 06 de agosto, de manhã. A médica era Luiza, irmã da Lu, minha ex-namorada dos tempos de Colégio Estadual.
Tetê e Luiza abriram o tapete vermelho e me receberam com abadá pro camarote vip. Parecia que estava todo mundo me esperando. Mordomia total...
O resultado, pro que eu precisava, veio na hora.
- Não é nada que te impeça de viajar.
E aí, lá fui eu com 6 garrafas dágua de carro pra Santa Rita, numa viagem agradabilíssima, principalmente pela companhia de Michel Abras, que ia comigo no mesmo projeto. Saímos de BH às 3 da tarde e chegamos por volta de 9 da noite, com as 6 garrafas vazias no chão do carrão chic, banco de couro, freio ABS, airbag pra todo lado.
Eu já estava no quarto do hotel, dente escovado e xixi que era bom, nada...
Tomei mais duas garrafas. Nada...
Quersaber, em vez de ficar com o grilo, tirei o pijama, levantei e fui no Pronto Atendimento da cidade. Cheguei 22:07 e fui atendido 22:08. Parecia que o médico tinha ficado grato por alguém ter ido vê-lo.
Ele ouviu minha história com uma atenção incomum para os PA’s de Belo Horizonte, me examinou com a maior calma do mundo e soltou o veredicto seguro:
- Você está ótimo!
Voltei pro hotel tranqüilo e bebi mais duas garrafas dágua.
A partir daí, acordei a noite inteira, devolvendo os quase 5 litros dágua que eu havia bebido durante o dia. Dormir que era bom, nada.
Dois dias de aula tranqüilos. E no sábado, mais seis horas de viagem. Cheguei um pouquinho depois da meia noite, no dia 09 de agosto, pra dormir abraçadinho com Gêisa.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Comer, comer - 03






Minha vida toda foi uma permanente luta contra a balança. Eu estava sempre acima do meu peso. O que estava em discussão era só quanto.
Às vezes muito, às vezes só um pouquinho.
Mas sempre acima.
No dia 14 de abril de 2009, assim, do nada, Aguinaldo meu irmão me liga e fala de um regime que estava fazendo e que havia feito com que ele perdesse 20 kilos em quatro meses. Aí, ficou de me mandar um email com a dieta. O email era assim:
“A dieta com saúde
Amanhã começa seu novo dia: acordado, de cara tome dois copos de água. Vá para a mesa de café somente depois do banho. Antes de vestir-se tome mais um copo de água.
Vestido, vá para a mesa. Uma laranja média e 1/4 de mamão havai. Coma duas fatias de pão integral com café à vontade, sem açúcar. Não vale queijo que não seja o cottage. A quantidade de queijo cottage deverá ser módica.
Marque o seu horário de café para que você não fique mais do que três horas, de jeito nenhum, sem comer alguma coisa tipo laranja, pera, maçã, morango, ameixa - pequenas quantidades.
Durante a manhã tome água até sair pelos poros. Na hora que a sua urina estiver absolutamente clara você tomou a água suficiente. Isto será mais ou menos 6 copos de água.
Almoço - só beba água até 1 hora antes. Faça um prato que vc fique apavorado de fazer fotossíntese de tão verde. Coma a vontade sua salada.
Nela não vale nenhum carbohidrato. Cuidado com queijos e qualquer derivado de leite na salada. Isto não ppppppoooooooddddddeeeeeee.
Depois de comer a sua salada maravilhosa, regada a pouco azeite e quase nenhum sal, pegue uma colher de arroz (duas colheres de sopa) não muito cheias. Não vale a colher de estivador. Coma um refogado qualquer, brocólis, couve, almeirão, acelga, chuchu, repolho. Não vale moranga e vagem.
Lembre-se também que você somente poderá comer o que produzir debaixo da terra que seja cenoura vermelha. Nada mais.
A carne ficará a seu gosto. Sem gordura e quantidade máxima de 150 gr.
Um café sem açúcar. E saia logo da mesa.
A partir de 1 hora deste almoço, comece a ingerir água. Muita. Não fique mais do que três horas sem se alimentar frutas de baixa caloria, em pequenas quantidades. Melancia, por exemplo, não é muito legal em dieta.
A noite repita no jantar o seu almoço ou café da manhã. Pare de tomar água para não ter de ir ao banheiro de madrugada.
Antes de dormir um Activia Zero.
Você vai dormir sem fome nenhuma.
Esta dieta tem aproximadamente 1200 Kgc. Em 30 dias vc terá condições de começar a caminhar o que deverá ser feito pelo menos três vezes por semana.
Cuide-se muito.”

- Quersaber, disse eu numa entusiasmada conversa com as dobrinhas do meu perfil de boneco Michelin, vou nessa!
A provocação de Aguinaldo me fez vir à cabeça todos os ensinamentos que João Gabriel havia me passado, há uns 12 anos atrás.
João foi um dos médicos mais importantes que passaram pela minha vida. Uma vez falei com ele que eu havia fugido, porque senão eu ia emagrecer.
É engraçado, pensar assim, mas cabeça de gordo é desse jeito.
Fiz as adaptações que João teria feito e resolvi fazer a dieta sério. Era pra ser a última que eu faria na minha vida.
E já no dia 15 de abril, mesmo sem ser segunda feira, comecei o projeto que mudou minha vida.
Descobri que eu tinha comportamento de adicto com doce e pão francês com manteiga. Fui aprendendo a conviver com minhas dificuldades.

E no dia 01 de setembro, depois de ter acabado com a safra de frutas e verduras do Ceasa, entrei pra operação 24 kilos mais magro. Eu havia baixado dos meus habituais 144 para 120 quilos.

Duas questões foram vitais nesta história: uma, que Xande, meu urologista, dizia que eu não podia imaginar o quanto meu risco cirúrgico havia sido reduzido, me operando com 24 kilos a menos. E a outra, a mais importante: quando eu retomei o controle da minha vontade, me foi muito fácil conviver com as restrições que a “dieta renal” me imporia.






Vale lembrar aqui a injusta acusação feita por uma gordinha, companheira da mesma luta contra a balança, entre risonha e com um falso desdém, sobre meus 20 e poucos kilos perdidos:
- Com tumor também, até eu...

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Prazer em conhecer - 02




Eu nunca havia ouvido falar desta história. Nem sabia da existência ou mesmo jamais tinha cruzado com ele. Nem socialmente. Tratava-se de um perfeito estranho pra mim.
Aí, Gilka, um dos anjos da guarda da minha vida, me mandou para uma ultra-sonografia do abdômen total. Um procedimento de rotina pra ela, que cuidava da minha saúde há um bom tempo. Apenas controle.
O médico era Dr. Rogério, bambambam do pedaço, geniozinho aqui de Belo Horizonte. Gilka fazia questão que fosse com ele. Fui lá no dia 14/09/2007.
Analisando o resultado, Gilka sorriu e disse:
- Você recebeu mais do que comprou.
Segundo ela, não seria normal, neste exame, o médico incluir os rins. Mas por sorte minha (eu acho mais que por generosidade do dr. Rogério), apareceu lá:
“...
RIM DIREITO: Com volume reduzido tendo córtico-medular final e usual. No rastreamento com eco-Doppler não se evidenciam vasos neste rim.
Dimensões (LxTxAP): = 91 x 39 x 38 mm, com volume estimado em 71 cm3.

RIM ESQUERDO: eutópico, com volume, forma e contornos normais. Cortiço medular com espessura e aspecto inalterados. Não se observa hidronefrose e imagens compatíveis com cálculos.
Dimensões (LxTxAP): = 153 x 65 x 61 mm, com volume estimado em 315 cm3.
...”
E no finalzinho o relatório informa:
RIM DIREITO ATRÓFICO
RIM ESQUERDO VICARIANTE.

Resumindo: não entendi chongas. E acho que tampouco você, a não ser que trabalhe na área de saúde. A única coisa que significava alguma coisa pra mim era que 71 é quase 4,5 vezes menor que 315.
Um era 4 vezes e meia o tamanho do outro...
Depois minha curiosidade foi aumentando e eu comecei a entender, inclusive, que a coisa nem é tão rara assim. Já apareceram uns 4 a 5 amigos meus convivendo com alguma coisa parecida, com eles mesmos ou com filhos.

Falando nisto, caso te interesse mesmo saber, a definição que consta do Michaelis é a seguinte:
vicariantevi.ca.ri.an.teadj m+f (fr vicariant) Med Diz-se de um órgão cuja atividade supre mais ou menos a falta de atividade em outro órgão.

A morte da bezerra - 01



Esta história começou mais ou menos um mês antes de eu me operar pra tirar um tumor que estava querendo sabotar meu rim.
A Cristiane, minha sobrinha de 13 anos, tinha que ler o livro “O Minotauro” nas férias de julho. A gente já estava no meio das férias, lá pelo dia 20, e ela não tinha conseguido passar do primeiro parágrafo.
Isto mesmo. Não me confundi e usei, inadvertidamente, no lugar de capítulo. É PARÁGRAFO mesmo.
Com o entusiasmo esfuziante de sempre, Lisa, minha filha, resolveu ajudar Cristiane.
- Vamos ler juntos este parágrafo, disparou ela.
E não tinha quem fizesse a Cris entender que a história era sobre um sonho de Pedrinho. Pra quem não souber o que é impasse, vendo a situação, aprenderia na hora.
- Mas eu nunca sonhei assim, Lisa! reclamava Cristiane.
E a coisa não andava.
Criativa, Lisa conseguiu avançar na negociação. Cris ia escrever alguma coisa, sobre qualquer assunto que acontecesse na vida dela.
Neste momento, o telefone toca.
Era o caseiro do Meu Sítio, informando que nossa vaquinha jersey, Dona Moça, havia morrido de complicações de parto.
Meio que no meio da consternação geral, Lisa saca rápido a solução:
- Cristiane, você vai escrever sobre a morte da bezerra!
Cris, coitada, não entendia nada...
- Como assim, Lisa, escrever sobre a morte da bezerra... Vai ter uma linha.
“A bezerra morreu. Ponto final.”
E a gente ria até não poder mais. O almoço virou uma festa.

Estas histórias que reúno aqui são dedicadas à Cris.
São todas sobre a morte da bezerra.
Escrevi um conjunto de impressões sobre o período que passei no hospital, aprendendo a colocar um tumor que apareceu no meu rim no seu devido lugar.

Se a Cris conseguir ler mais um pouquinho, vai entender o que o Valente tem com isto.