quinta-feira, 22 de março de 2012

Tia Alaíde



Aqui em casa, a gente é gregário.  Absurdamente gregário.  Deve ter a ver com o fato de pai ter tido não sei quantos irmãos, mamãe ter tido não sei quantos irmãos e nós lá em casa sermos não sei quantos irmãos.

Não sei mesmo.  O número parece meu peso.  A vida inteira aumentava e diminuía.  Décio é irmão do papai, Beto Preto e Luzia são meus irmãos.  Biá é irmão do Fernando.  Eu virei irmão do Celsinho.  Cuca é filho do Tio José.  Regina é filha da Tia Loló.  Sempre foi assim.  Uma família imensa e gregária.  Um caldeirão onde todo mundo é ligado com todo mundo.

Por causa disto, a gente sempre se acostumou a cuidar da roupa, porque ela ia passar pra um mais novo, a deitar no colchonete porque ia dormir alguém conosco, a colocar um prato a mais na mesa, a compartir tudo, já que a gente recebia tudo.  É possível que tenha sido por necessidade, eu nem sei, mas o que me ficou foi a intenção de fazer o outro feliz.  Era vontade mesmo, de estar em comunhão.  Não tenho registro, na minha vida, de ter visto ninguém na família rico nem pobre.  Lembro só de gente feliz.  Na mesma hora que tinha um bravo, tinha um morrendo de rir.  Quando alguém chorava, aparecia um tanto de ombro, consolando.  Ali cabia tudo e todos.

Neste bolo, tinha tio Zé e tia Alaíde, que eram meus padrinhos.  Papai me contava que me devia 3.500,00 (que ninguém lembrava da moeda vigente.  Deve ter sido por volta de 1955) quando ele precisou vender uma bezerra que eu havia ganho de presente no batizado. Papai ria e eu também, achando que estava bem empregado. 

Betinho, meu personal acupunturist, filho do Betinho, escreveu ontem sobre Tia Alaíde:
Vovó já era vózinha desde que eu nasci. Sempre me chamou de "belezinha" e também às minhas irmãs e também aos primos. Dizem que na juventude tocara bandolim, mas eu nunca vi - e que também era brava, mas também nunca vi...  Estava sempre assistindo futebol, mas gostava mesmo era de tricô. Viajou para o exterior algumas vezes, mas gostava mesmo era de Virginópolis. Era tranquila e calma, mas se agitava para agradar as visitas. Foi a fiel companheira de meu avô por mais de 60 anos em vida e mais outros tantos em saudade. Aos 96 anos, esta tarde Vovó resolveu por fim ir ao seu encontro. Deixa filhos, netos e bisnetos saudosos.

Este sentimento seu é de nós todos, Betinho.  Acho que Zé Cantídio deve estar namorando até rachar os bico lá em cima.

quarta-feira, 21 de março de 2012

St. Patrick's em Dublin


Tem algum tempo que eu comecei a juntar meu segundo milhão de euros.  É que o primeiro estava muito difícil e eu, ligando cada vez menos pra dinheiro, resolvi começar o segundo.  Mas daqui a pouco.  Por enquanto, ando ligando nada pra dinheiro.  Tanto que dobrei o número de correspondentes internacionais dest’A Saga e mandei Rodrigo, meu filho, fazer a cobertura do Saint Patrick’s direto de Dublin.  Ele só aceitou porque levou, no pacote, esta leprechaunzinha de chapelão aí da foto.  Olha o relato do menino: 

“O dia 17 de março é considerado o dia de São Patrício. De acordo com a lenda, São Patrício foi o responsável em levar o Cristianismo para a Irlanda entre os séculos 3 e 4 (obrigado, Wikipedia!) e, portanto muito festejado naquele país em que os cristãos repre-sentam mais de 90% da população. Assim como o nosso carnaval, o dia 17 de março começou com uma celebração cristã e descambou para a libertinagem!

Coisa linda!

Pessoas nas ruas vestidas de verde, com chapéus de duende (Leprechaun) e trevos de três folhas por todo o lado (o que antes representava a santíssima trindade passou a ser a origem da obsessão pela cor verde!).
E cerveja... muita cerveja (Guinness, sempre...)!


Bom, St. Patrick’s Day, em resumo é isso. O que eu não sabia é que toda essa folia ocorria em apenas um dia. Quando comprei minha passagem para Dublin , achei uma pechincha a passagem na tarde de sábado do dia 17 de março. Senti-me a pessoa mais sortuda do mundo e comprei prontamente a minha e a da Carol, sem nem pensar. Para mim era lógico que o festival, assim como anunciado pelo site oficial, ocorreria até o feriado de segunda-feira, dia 19.

Quanta inocência! Apesar do clima de festa e adoração ao verde, à cerveja, e à cultura irlandesa, a festividade se concentra mesmo no dia 17... e só! É um grande carnaval de rua, daqueles de Diamantina e Ouro Preto, com desfiles e bandas ao vivo para todo lado... Lindo! Mas um dia só... Quanto desperdício...


De qualquer maneira, conseguimos aproveitar esse pouco de festa com o povo mais amigável do mundo, como se autointitulam os irlandeses. O que em minha opinião é a maior verdade, pois apesar da alta concentração alcoólica em um público estimado de 500 mil pessoas, eu não percebi o menor sinal de briga ou confusão. Quem dera fosse assim no nosso carnaval...
Em geral, é uma festa muito bacana, com muita gente esquisita, trevos, duendes, Guinness, rugby, música celta e alegria...  A genuína festa do momo Leprechaun ali, na nossa frente! Inesquecí-vel... mas da próxima vez, chegaremos um dia antes!”

Nos créditos, Digo fala que as fotos são da Carol Hauck, a tal leprechaun que aparece na abertura do post, bem na frente do Temple Bar, o mais famoso de Dublin.  Na verdade eu não tenho idéia como se pode bater a foto e aparecer nela.
Deve ser coisa de leprechaun!



ps:  A Carol do Digo aparece no 3:49, no meio da fila, tocando clarineta.  Depois, chapado o melão, ninguém mais sabia da moça, tadinha...




quarta-feira, 14 de março de 2012

Surpresa!



Já fazem quase dois anos quando eu me dei conta de uma série de ganhos que a doença busca pela cura[1] havia me proporcionado.  Uma das coisas que eu mais achava legal era não mais precisar chegar em casa em desabalada carreira, com o xixi já ameaçando descer pelas pernas abaixo, eu ainda no elevador.

Valente, contido, têm se manifestado não mais que 3 vezes por dia.  Quando eu acordo, depois do almoço e quase na hora de deitar.  Sendo que eu fico com o direito de negociar com ele, às vezes um pouquinho mais pra cá, às vezes um pouquinho mais pra lá.  Mas nunca muito fora desse padrão.

Ontem fui almoçar na mamãe.  Ficamos de trelelê um tempão.  Esqueci da vida.  E voltei pra casa de ônibus que, por sorte, mesmo no meio da greve, não demoraram a aparecer.

Mas não é que, a dois quarteirões de casa, bateu aquela vontade incontrolável.  Meio desacostumado, nem me apavorei.  Tentei não pensar em cachoeira, em chuva, em torneira aberta.  Vai dar, pensei, quase arrogante.  E a cada passo a situação ia piorando.  Foi só abrir o portão do prédio, senti um calorzinho desconfortante nas pernas.  Quando entrei no elevador, ainda bem que sozinho, a risca na calça mostrava, indiscutivelmente, a volta aos velhos tempos.   Não dera pra chegar em casa.

Pois é.  Veja você o que são as referências.  Pra quem vive dizendo que quase não faz xixi, eu fiquei foi todo orgulhoso com o desempenho do Valente.  Mijado, mas todo orgulhoso...






[1]  A dica é da Toninha.  O câncer já ficou lá pra trás.  Doença, diz ela, é palavra proibida.  Agora, o que anda me instigando é a consolidação da cura.

domingo, 11 de março de 2012

Negociação


Tomás estava no bagaço.  Além do Clic a tarde toda, no dia dele tinha que caber judô, natação, brincadeira, contar tudo pra Carol, ...  Faltava hora pra tanta atividade.  De vez em quando Diogo deixa ele com a gente, no final da tarde e aí lá vou eu, ou a Ciça[1], colocar o menino no banho pra dar o jantar.

Naquele dia, eu quem ia dar o banho.  Só que Tomás resolvera engrossar.  Mesmo exausto, queria, a todo custo, andar de bicicleta lá embaixo.  E cadê que eu conseguia mostrar que ele estava cansado.  Ameacei uma negociação e fui duro com ele:
-  Tá legal.  Nós vamos descer com a bicicleta só 15 minutos e aí você entra no banho sem reclamar de nada.  De nada!  Fui claro?
Acostumado a regatear, Tomás não estava disposto a vender barato sua vontade.  E falou pra mim, irredutível:
-  Não, vô.  ONZE!
Demorei um pouquinho pra me dar conta do mal entendido e finquei pé, pra fazer um cinema:
-  QUINZE, Tomás!
E ele, jogou no tudo ou nada:
-  ONZE, vô!
-  Tá bom.  Mas você entra no banho sem reclamar!

Negócio fechado...

Falei que eu ia marcar onze minutos no despertador do celular.  Mas nem precisou.  Passados uns cinco minutos, Tomás me pergunta se já tinha acabado o tempo.  Falei que estava quase e a gente logo subiu.

Tomás foi pro banho com um sorriso de vitorioso, mas nem jantou.  Foi só escovar os dentes e o olhinho dele já quase fechava, de sono.  Dormiu nos meus braços, direto do banheiro pra cama, enquanto o pai não chegava.

Fico pensando se isto se encaixa na negociação que o povo de gestão tanto chama de ganha-ganha...

http://youtu.be/B064YfdTpMw


[1] Claro que usualmente muito mais a Ciça do que eu...


quarta-feira, 7 de março de 2012

Famíliaê


A coisa começou quando Tomás, encantado com a Florinha brincando com as bolhas de sabão de seu brinquedo novo, perguntou quando ele ia ganhar um irmão.  Num minuto, o Meu Sítio parecia ter se transformado em uma clínica de Planejamento Familiar.  A gente estava conversando num fim de tarde, Limão e Lud, Frenk e Quel, e eu e Diogo[1].  Claro que, diante daquele grupo de neófitos, eu era um poço de experiência.  Uma fonte onde, tirando Diogo, eles sorviam o saber de quem conseguia resolver o profundo enigma que desafia permanentemente a humanidade: 
Como faz pra criar 3 filhos?

Frenk dizia que o banco dele proibia a chegada de bebê até o final da Copa do Mundo.  Quel, que nem o Valcke da Fifa, achava que Frenk bem que precisava se donner um coup de pied aux fesses[2].  Limão e Diogo, gelados, não conseguiam se imaginar sustentando uma família (mesmo que só um pouquinho) mais numerosa do que a que eles já tinham.

Foi aí, vendo a alegria e o interesse da Florinha e do Tomás pelas bolinhas de sabão, que a gente se deu conta que não precisava de muita coisa pra ser feliz[3].



A gente teve exemplo em casa, com vovó Maricas, que conseguiu criar 12 filhos.  E papai e mamãe, que achavam beleza em tudo enquanto criaram 7 filhos, todos longe de serem considerados umas gracinhas.  Sem falar da Tia Loló e Ti Cirinho que, além de conseguirem criar os 8 lindinhos deles, recebiam a gente com tapete vermelho nas férias.




Enquanto o sol se punha, fiquei pensando nisto, vendo as bolinhas de sabão.  O que era essencial, a gente sempre teve.  E muito.
Coisas de comprar, eram fugazes mesmo, como as bolinhas...





[1] Nem me venha com gracinhas.  Eu e Diogo não éramos um casal.

[2] Que, aqui sim, caberia perfeitamente no sentido de “acelerar o ritmo”, teoricamente pretendido pelo Sr. Secretário Geral.  Talvez ex, dependendo do rumo da prosa...

[3] Limão preferiu fazer as fotos do que ficar naquele papo.






segunda-feira, 5 de março de 2012

Fortuna



Ando meio semgracinha, depois que a Cláudia morreu.  Fico com um tanto de assunto na cabeça, paro na frente do teclado e desanimo.  Não deve ter sido à toa que recebi hoje do Almir, que foi colega nosso de sala e quem fez de mim um profissional, um email que me deu uma levantadinha.  Acho que encaixa, igual luva, no sentimento que eu guardo em mim:

“Tenho a intenção de processar a revista "Fortune", porque fui vítima de uma omissão inexplicável. Ela publicou uma lista dos homens mais ricos do mundo, e nesta lista eu não apareço. Aparecem: o sultão de Brunei, os herdeiros de Sam Walton e Mori Takichiro.
Incluem personalidades como a Rainha Elizabeth da Inglaterra, Niarkos Stavros, e os mexicanos Carlos Slim e Emilio Azcarraga.
Mas eu não sou mencionado na revista.
E eu sou um homem rico, imensamente rico. Como não?  Vou mostrar a vocês:
Eu tenho vida , que eu recebi não sei porquê, e saúde, que conservo  não sei como.
Eu tenho uma família, esposa adorável, que ao me entregar sua vida me deu o melhor para a minha; filhos maravilhosos, dos quais só recebi felicidades; e netos com os quais pratico uma nova e boa paternidade.

Eu tenho irmãos que são como meus amigos, e amigos que são como meus irmãos.
Tenho pessoas que sinceramente me amam, apesar dos meus defeitos, e a quem amo apesar dos meus defeitos.

Tenho quatro leitores a cada dia para agradecer-lhes porque eles lêem o que eu mal escrevo.

Eu tenho uma casa, e nela muitos livros (minha esposa iria dizer que tenho muitos livros e entre eles uma casa).

Eu tenho um pouco do mundo na forma de um jardim, que todo ano me dá maçãs e que iria reduzir ainda mais a presença de Adão e Eva no Paraíso.

Eu tenho um cachorro que não vai dormir até que eu chegue, e que me recebe como se eu fosse o dono dos céus e da terra.

Eu tenho olhos que vêem e ouvidos para ouvir, pés para andar e mãos que acariciam; cérebro que pensa coisas que já ocorreram a outros, mas que para mim não haviam ocorrido nunca.

Eu sou a herança comum dos homens: alegrias para apreciá-las e compaixão para irmanar-me aos irmãos que estão sofrendo.

E eu tenho fé em Deus que vale para mim amor infinito.

Pode haver riquezas maiores do que a minha?
Por que, então, a revista "Fortune" não me colocou na lista dos homens mais ricos do planeta? "

O texto é do jornalista mexicano, Armando Fuentes Aguirre, el Catón.  Ele só reforça a diferença entre ser rico e ter dinheiro.
Eu, ando cada vez mais podre de rico...