domingo, 28 de março de 2010

Amor eterno - 57



Sábado foi aniversário da mamãe.  E ela lembrou de um poema com o qual papai fazia o maior sucesso, deixando ela de quatro, apaixonada.  Era assim:
“Esta que passa por aqui senhores
De olhos castanhos e fidalgo porte
É a princesa real dos meus amores
É a mais linda pérola do norte.”
Papai falava pra ela que ele tinha escrito.  Há pouco tempo eu quebrei o encanto e descobri o poema no Google.  Era uma estrofe do soneto Santa, de Hermeto Lima.
Ela continuou achando uma gracinha, ele ter mentido por amor...
    
Aí eu lembrei de uma história que aconteceu comigo.  Não lembro se era na Timbiras ou na Rio Grande do Sul.  Acho que era quando a gente morava pertinho do campo do Atlético.
Papai e mamãe ficavam em um quarto, Flavinha e Regina no outro e nós dividíamos o quarto mais legal, o da varanda, empilhados em camas beliche.

Na sala, pequena, a generosidade que papai e mamãe passaram pra nós tinha instalado uma porta sanfonada pra dar alguma privacidade para os hóspedes que, vez por outra, traziam notícia do nosso povo.

Um dia eu entro esbaforido pela casa.
-  Amanhã tem festa junina no jardim.
E não adiantou mamãe me explicar que uma festa assim não ia ser marcada de repente, que talvez fosse melhor ...
Eu lá, irredutível, com uma obstinação de taliban:
-  Amanhã tem festa junina no jardim.

Mamãe varou madrugada remendando uma roupa de jeca pra mim, sensibilizada com meu medo de perder a festa.

No outro dia eu atravesso Belo Horizonte todo orgulhoso, o jeca mais lindo que o sol já havia iluminado, com direito a bigode de rolha queimada e tudo.
Todo cheio de mim, eu fingia, superior, que não reparava os olhares de todo mundo, com aquela cena inusitada.

A cara de mamãe era a de quem se sentia insone, mas paga, me vendo, peito estufado, mostrando pro mundo minha beleza.

Chegando no Delfim Moreira é que eu entendi que minha excitação havia ensurdecido meus ouvidos, quando mamãe, a maior paciência do mundo, tentava me explicar.  A gente ainda esta no meio de maio.  A festa era só daqui a duas semanas.

Nós voltamos comigo aos prantos, só me consolando quando mamãe falava, no ônibus, que eu era o jeca mais lindo, o primeiro jeca a aparecer naquele ano.

Era assim, ela.  Pra satisfazer a gente, fazia até o improvável.

Cresci minha vida toda com o sentimento claro que eu era filho de rico.  Só muito tempo depois ficou evidente pra mim como eu compatibilizava este sentimento de riqueza com o parco soldo com o qual papai e mamãe criavam os sete filhos.

Eu me sabia amado.

E é este sentimento que dá força, todo dia, pro Valente distribuir porrada quando o tumor pensa em voltar.



12 comentários:

vivi disse...

to falando que vpcê é o preferido mesmo!!! essa sua mãe é lindaaaa!!!!!
isso ela ensinou bem, pq papai era e ainda é assim comigo!!!Amor é uma coisa que a gente tem de sobra nessa familia!!!

bjosaudosos

Anônimo disse...

A tia Ester tem toda razão de puxar por voce.Fiquei maravilhada com esta declaração de amor.Ela merece mesmo,é ,e sempre foi uma tia muito especial.Beijos Cinha

PC disse...

A gente é esquisito, Vivi, mas é cheio de amor pra dar...

PC disse...

Mas puxar mesmo, Cinha, até hoje, é o papai.
Qualquer coisa, a referência é ele.
Mesmo sendo ladrão de poemas alheios, ela continua achando que ele é o cara...

Renata Feldman disse...

O amor cura tudo, PC!...
Linda história, adorei!...

PC disse...

è com doses diárias dele que eu vou levando, Renata.
Beijos

redatozim disse...

O PC tinha um tumor
Bicho feio, um horror
Que um dia lhe atacou o rim

Arrancou o bicho no bisturi
Fez quimio aqui e ali
E o monstrengo teve um fim

Mas se um dia o tumor cismar
E pro Valente quiser voltar
Já sei como se ataca o chinfrim

Basta um bom poema roubado
Um jeca bem arrumado
E um tanto de amor sem fim


(esse eu não roubei não, viu?)

PC disse...

Anda rápido, Zim, que se mamãe ler seu poema, você entra, fácil, fácil, na partilha da herança.
Vai dizer que você é papai reencarnado...

Lucia disse...

Paulo: A cada momento admiravelmente terno, além do já admirável, maravilhada fico. Isto é que é viver: conseguir transformar em amor a dor, o medo em gratidão e a luta em poesia. Obrigada.
bjs.

Unknown disse...

Mas nós damos sorte demais, Lúcia. Só tem passarinho cantando em volta da gente...
Beijos

Unknown disse...

ei Lindão!
recebi um mail ontem do Frank com o link do seu blog. Li tudo até tarde da noite de ontem, tão tarde que deixei pra te dar um oi hoje de manhã. Que saudade... Um beijo grande pra você e outro pro Valente!

PC disse...

E você acredita, lindão, que ele ficou com raiva de mim.
Choroso, ele disse que meu post denegria a imagem dele, quando eu chamei ele de choroso.
Depois ele reclama...