sexta-feira, 27 de julho de 2012

Onde foi que perdemos a mão



Na época, ninguém chamava de bullying.  Era até meio que socialmente aceito, quase uma demonstração de tirocícinio.  Eu e Boni Fácil fazíamos um curso que nos exigia alguma proficiência em inglês.  Acontece que, nascido em Rodeador, nas grotas do Jequitinhonha, Boni tinha a maior dificuldade de falar o th ciciado que a professora queria da gente.  E ela, sempre que perguntava o endereço, ouvia dele: 
-  Penafiel Street, tri randred sarti.
Eu me estabacava no chão, rindo da dificuldade dele em falar o 330 de seu apartamento em inglês.

Um dia, Boni me chamou e, com a cara e a voz mais suaves do mundo, me explicou o quanto era cruel aquela brincadeira minha, que só ampliava a dificuldade dele.  E que ele não entendia como me dava tanto prazer, sabendo da dificuldade enfrentada.
Aquilo estalou como um tapa na minha cara e, daquele dia em diante, eu comecei a aprender a ter cuidado com o mal que minha língua ferina podia fazer.
Já se passaram alguns anos[1], a coisa se repete na minha cabeça, como se estivesse acontecendo agora, e eu não me canso de agradecer o Boni pela forma que ele conduziu a coisa.
(Mesmo que ele, talvez, nem se lembre desse caso)

A história me ocorreu por causa do I Fórum de Educação que o Instituto Hartmann Regueira promove nos dias 31 de agosto e 01de setembro em Belo Horizonte.

Serão discutidos temas como o bullying no ambiente escolar, a forma como a violência acaba nos atingindo a todos, o ponto de vista legal mostrando como sua prática colide com os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes, e, principalmente, casos concretos com estratégias bem sucedidas de intervenção e prevenção do bullying.  Se você der uma passeada pela programação, vai ver só gente fera e conteúdos extremamente relevantes.

Tirei o título deste post do artigo da Lídia Aratangy, onde ela aponta que “o maior risco que ameaça nossa juventude é o cinismo. Se os jovens acreditarem que não têm nada a ver com o que acontece à sua volta, perderemos a chance de ter um mundo melhor”.


[1]  O curso que a gente fez foi em 75.  Eu ainda nem era casado e Boni Fácil já era um dos homens mais importantes da minha vida.



5 comentários:

Nando disse...

Este assunto está tomando uma proporção muito grande. Qual de nós não sofreu alguma gozação no período escolar? Será que nos tornamos violentos por causa disso? Acho que temos que coibir as agressões, mas a brincadeira sadia não pode ser considerada Bullying (palavra que não existe tradução para o Português)

Cláudio Ferreira disse...

Concordo com o Nandão.
Minha turma toda de GVS tem apelidos (Camelo, Taxinha, Pinico, Paulim Bundinha, Berolas, etc)e aposto que isto não afetou a vida deles. As escolas querem criar redomas, só que a vida lá fora é bem diferente. Como bom libriano, acho o melhor é bom senso e equilibrio.

Grande abraço

PC disse...

Nenhum de nós, Nando e Claudinho, perdíamos a conta ou errávamos a mão.
Tem muito colégio aqui em BH onde o professor está correndo risco de agressão física.
No site tem um texto apavorante, http://www.antibullyingbrasil.org.br/onde-foi-que-perdemos-a-mao/, e outro, dentro da linha que vocês levantam, onde nem tudo é bullying: http://www.antibullyingbrasil.org.br/nem-tudo-e-bullying/
O desafio é não perder a mão.

Tiago Cruz disse...

Ô Nando, acho que você foi direto ao ponto: gozação.
Antigamente tudo era gozação e a vida seguia. Agora é bullying...

E, também concordo com Paulinho: às vezes a gente, sem se dar conta, exagera.
E... Vida que segue!

Ninguém morre de beber água da bica, ninguém morre de topada no dedão, etc, etc.
Abs.

PC disse...

No site do Instituto Hartmann Regueira tem um outro artigo que ilustra bem esta primeira impressão,
Tiago. Nem tudo é bullying. Leia lá: http://www.antibullyingbrasil.org.br/nem-tudo-e-bullying/tpoi