Serginho é meu irmão. Ele e Cadado. São filhos do tio Paulo, irmão do papai e da tia Maria do Rosário, que é irmã da mamãe. Quando chegava as férias a gente virava filho da tia Augusta, lá em Valadares. Semana passada a gente estava conversando na internet sobre música e ele me mandou um livro de presente: Like a Rolling Stone. Comecei a ler agora. O livro fala do impacto da música na nossa geração.
Ainda estou no comecinho mas o livro me fez pensar em alguns obstáculos da minha vida que eu tive ou ando tendo medo de transpor.
Outro dia passou um documentário sobre Paris e Gêisa falou da vontade de voltar lá. Meu olho encheu dágua. É que apesar de ter solução pra isto, eu ainda fico com medo de encarar a viagem. Mas antes do final de 2011 eu arranjo coragem e conto pra vocês.
Lembrei também que, logo que eu voltei da operação, fiquei sabendo que o projeto sobre inovação que eu participei com Carlos Arruda para a Fiat tinha feito tanto sucesso que ia ser replicado em outros países pelo mundo. E que eu, aposentado por invalidez, não poderia participar. Fiquei pensando sobre como vai ser minha vida, sem poder dar aulas nunca mais.
Mais recente, ando numa torcida louca pela viagem que Eduardo e Cynthia vão fazer. Dudu viajou comigo pelo Brasil afora no treinamento pra mais de 1.000 empreendedores que a Fundação Dom Cabral fez para a Finep. Ele cuidava de Finanças, com Marcelinho, e eu de Marketing, com Mansur.
Depois de ganhar fortunas com (e para) os Safra, Dudu resolveu se dar um ano sabático. Vai com sua amada empreender a Expedição Bordas do Brasil. A idéia deles é percorrer 22.000 km rodando os limites, as fronteiras mesmo, do Brasil, a bordo de um Land Rover comprado especialmente pra viagem. Devem visitar mais de 600 cidades.
Querem estudar o modelo de sustentabilidade das pequenas comunidades das fronteiras do Brasil. É ver de que maneira esse povo sobrevive e como enxerga suas potencialidades.
Quando vi o projeto, passei a viajar com eles, que nem Fernando Pessoa conta no Trecho 452, do Livro do desassossego. É assim:
Trecho 452
O único viajante com verdadeira alma que conheci era um garoto de escritório que havia numa outra casa, onde em tempos fui empregado. Este rapazito colecionava folhetos de propaganda de cidades, países e companhia de transportes; tinha mapas – uns arrancado de periódicos, outros que pedia aqui e ali –; tinha, recortadas de jornais e revistas, ilustrações de paisagens, gravuras de costumes exóticos, retratos de barcos e navios. Ia às agências de turismo, em nome de um escritório hipotético, ou talvez em nome de qualquer escritório existente, possivelmente o próprio onde estava, e pedia folhetos sobre viagens para a Itália, folhetos de viagens para a Índia, folhetos dando as ligações entre Portugal e a Austrália.
Não só era o maior viajante, porque o mais verdadeiro, que tenho conhecido: era também uma das pessoas mais felizes que me tem sido dado encontrar. Tenho pena de não saber o que é feito dele, ou, na verdade, suponho somente que deveria ter pena; na realidade não a tenho, pois hoje, que passaram dez anos, ou mais, sobre o breve tempo em que o conheci, deve ser homem, estúpido, cumpridor dos seus deveres, casado talvez, sustentáculo social de qualquer – morto, enfim, em sua mesma vida. É até capaz de ter viajado com o corpo, ele que tão bem viajava com a alma.
Recordo-me de repente: ele sabia exactamente por que vias-férreas se ia de Paris a Bucareste, por que vias-férreas se percorria a Inglaterra, e, através das pronúncias erradas dos nomes estranhos, havia a certeza aureolada de sua grandeza de alma. Hoje, sim, deve ter existido para morto, mas talvez um dia, em velho, se lembre como é não só melhor, senão mais verdadeiro, o sonhar com Bordéus do que desembarcar em Bordéus.
E, daí, talvez isto tudo tivesse outra explicação qualquer, e ele estivesse somente imitando alguém. Ou ... sim, julgo às vezes, considerando a diferença hedionda entre a inteligência das crianças e a estupidez dos adultos, que somos acompanhados na infância por um espírito da guarda, que nos empres a própria inteligência astral, e que depois, talvez com pena, mas por uma lei alta, nos abandona, como as mães animais às crias crescidas, ao cevado que é o nosso destino.
E enquanto eu vejo Dudu e Cinthya preparando a viagem, eu viajo junto, mas com uma dorzinha no fundo do coração por não poder viver esta experiência com eles. Mas, ainda assim, eu viajo junto.
Experimenta pra você ver como a dica do Fernando Pessoa funciona. É só fechar os olhos e sair voando. Você vai pra onde quiser. Eu, pelo menos, vou sempre...