sexta-feira, 30 de abril de 2010

Edição Extraordinária - 11

  Com o comentário da Adriana, no post anterior, me lembrei deste quadrinho do Laerte, que eu sempre trabalhava com meus alunos.

Em produção, bacana, você tem que ter uma confiança extrema no povo que está com você, a ponto de nem se preocupar se o que lhe está sendo pedido é ou não é absurdo, por mais desconexo que pareça.

E que, na hora acertada, todo mundo confia em você e sabe que tudo vai estar lá, conforme previsto.

Adoro a frase final:  Produção produz.

Sem uma gota de autoritarismo, este quadrinho virou quase religião pra mim e pra quem trabalha ou já trabalhou comigo. 

É pura cooperação.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Produção produz - 68




Eu sempre fui muito bom em produção de eventos.  Aliás, diga-se de passagem, em um punhado de outras coisas também, já que modéstia nunca foi meu ponto forte...

Mas produção é uma coisa que eu faço bem.  E gosto.  Com força.
Coisa de eu varar madrugada pra produzir evento e nem ficar cansado, de tanto que isto me deixa feliz. 

Camilinho dizia que eu devia colocar no meu currículo que eu já tinha juntado mais de milhão de pessoas, só pra ele.  Era passeio ciclístico, gincana, show de fogos de passagem de ano, show no Mineirinho, no Independência, Missa Conga na Praça da Liberdade, Festival de Angu, e por aí afora...

Teve uma festa de final de ano que eu trouxe a Patrícia (aquela, do Trem da Alegria). 
O show coincidiu com o dia do aniversário da Lisa, minha filha do meio. 
Nem vacilei. 
Por um bom tempo a Lisa ficou na dúvida se a Patrícia veio a Belo Horizonte por causa do aniversário dela.

Lembrar destas coisas  me deixa muito orgulhoso da minha capacidade de organizar minha vida pra viagem, por exemplo.  Quando Gêisa me chama pra ir pro Meu Sítio, meu trabalho é só entrar no carro.  Minha logística já tinha deixado preparado lá tudo o que eu precisava para o final de semana.  Com isto, meu tempo de hesitação era só pra decidir se vou com Gêisa na frente ou brincando, ao lado do Tomás.

Era.

Lembrei disto olhando pra minha bolsa de remédios, minha nova e inseparável companheira, que eu chamo de Seguro-Saúde.  Lá tem:
Trombofob (pra quando eventualmente a hemodiálise deixa marca), Berlizon (pra feridinha de coceira), IruxolMono (pra feridona de coceira), Soapelle (pra lavar as duas feridinhas de coceira), Daflon (pra circulação das pernas), Sutent (imunossupressor megapower turbo extraplus), Puran T4 (pra disfunção da tireóide), Humectol D (pra intestino preso), Tralen (pra evitar micose), Cloridrato de Tramadol (anestésico, se as feridinhas ficarem doendo), Acetato de Cálcio (quelante pra proteína animal), Clonazepan (pra síndrome da perna inquieta) e AAS (pra ralear o sangue).
Além disto, Extrato de Própolis, Água Boricada, Gaze, Fita de Microporo, Fio Dental Oral B e Dentifrício Biotène que é pra hipocondríaco nenhum colocar defeito.

Mas ainda assim, sou bom de produção.  Está tudo separadinho, dentro da bolsinha.  Pra entrar no carro, é só pegar o Seguro-Saúde e lá vamos nós...

terça-feira, 27 de abril de 2010

Abuso verbal - 67


Eu fico sempre bem abalado quando me vejo soltando os cachorros, com qualquer pessoa.

É uma impaciência com os meninos, com Gêisa, com mamãe, com você...
(Quase) sempre sem necessidade.

Tem algum tempo que esta questão me provoca.  E como eu dizia no post 63 aí pra trás (quer dizer, aí pra baixo), sinto esta provocação quando começo a registrar os indícios à minha volta.

Recentemente, fiquei impressionado com a campanha contra o Verbal Abuse.  Tanto que até incorporei aqui ao lado, no blog.  Acho que veio de uma twitada do Maurilo, do blog do Pastelzinho.

Hoje de manhãzinha participei de uma oração de começo do dia com meu povo do Instituto.  Do nada, Marcus propõe esta reflexão:

“Senhor
Estou amadurecendo e quero preservar minhas amizades...
Ajuda-me a ser humilde quando a minha memória claudicante entrar em conflito com a memória dos outros.
Ajuda-me a combater o hábito fatal de achar que devo dizer algo em todas as ocasiões e sobre todos os assuntos.
Ajuda-me no saber ouvir com paciência sem querer resolver os desafios da vida de outrem.
Ajuda-me a ser reflexivo e bem humorado, oferecendo apoio e nunca ordenando.
Ajuda-me, enfim, a manter a mente livre do recitar os mínimos detalhes, e
Lembra-me sempre de fechar os lábios em relação às minhas dores e pesares.
Ajuda-me, Senhor, com sabedoria, força e coragem para cumprir os Teus desígnios eficazmente.
Amém.

Fiquei o dia inteiro pensando nisto.  E na quantidade de tempo que eu perco enquanto me bato por uns detalhes insignificantes, que não contribuem em nada para que a gente avance.  Serve só pra dizer que ganhei a discussão.

Grande besta, eu!

.
Em tempo:  O começo do dia com uma oração é uma rotina interessante no Instituto.  Uma vez, Vilma, uma das meninas do grupo, que ia viajar no outro dia, pediu pra nós:
-  Amanhã, vocês façam uma oração melhorzinha, que é pro meu avião não cair.



sábado, 24 de abril de 2010

Incorrigível - 66



Uma vez Wagner me chamou pra me envolver com ele no projeto da Santa Casa.  Era uma barra pesadíssima, pra corrigir uma série de distorções que estavam tirando a Santa Casa de seu propósito original.
Meu desafio era gerir o Santa Casa Educação, que envolvia a Escola Técnica de Enfermagem, uma parceria com a PUC para cursos de especialização em gestão de saúde e o programa de mestrado e doutorado, dirigido pelo Dr. Chagas[1].

Como primeira missão, meu chefe me pediu um detalhado diagnóstico da situação.  O que não ia ser muito complicado, já que era fácil de ver o que estava fora do padrão.
E lá fui eu apresentar meu relatório.

Como tinha sido minha primeira missão, fui o mais rigoroso possível, pra deixar uma boa impressão.  
E descrevi um caos.  Era salário atrasado, precisava mexer drasticamente nas instalações, equipamento obsoleto, faltava computador, o laboratório pedia investimentos, moral da equipe na beira da linha dágua...  Não esqueci de nada.
Eu havia escaneado o setor com precisão cirúrgica[2].

Depois de ouvir minha dramática leitura da situação, sereno, meu chefe me pergunta:
-  E tirando isto, está tudo bem?


É com figuras assim que eu fui, ao longo da minha vida, construindo o Espírito do Valente.



[1] A quem a gente, com o maior atrevimento, chamava de Chaguinhas.
[2] Entendeu a gracinha?  Santa Casa, precisão cirúrgica.


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quinta-feira, 22 de abril de 2010

Há um tempo... - 65




De tudo que eu aprendi na vida, o que eu prezo mais é o fato de, em se prestando atenção, lendo direito as coisas, a gente sempre tirar uma lição com o que acontece conosco.

Quando nós começamos a construir a casa do Meu Sítio, recebemos, por acaso, a visita de Marie-Jo e de Hyacinthe de Montera, que estudaram comigo em Jouy-en-Josas.  Eles vieram ao Brasil pra nada.  Só pra estar conosco.  Passamos duas semanas rindo.

Um final de semana eles foram conosco pra acompanhar o trabalho dos pedreiros.  Olhando a confusão, Hyacinthe falou, meio que com preguiça:
-  Vous en aurez pour longtemps!
O sentido da frase é de que a gente ainda teria muito trabalho, pra deixar aquilo um lugar legal.
Hoje, quando eu olho pro Meu Sítio, vejo só que ele está maravilhoso.  Nem penso no trabalhão que ele deu (e de vez em quando dá) pra mim e pra Gêisa.

Quase sempre, no começo das chuvas de novembro, a água da piscina ficava incrivelmente turva.  A gente sempre achou que a virada de temperatura gerava a proliferação de algas.  Gastei algumas garrafas de algicida até aprender que é a água da enxurrada que cai na cisterna e derruba a bomba, que passa a levar água e barro para a caixa dágua.  Agora, turvou, é só reparar a altura da bomba e lá está a água, cristalina de novo.

Cada latido dos cachorros indica uma coisa diferente.  Na maior parte do tempo, são um sinal de, macho ou fêmea, disputa da posição alfa do canil.  Foi com eles que eu aprendi, à medida que cresciam, a entender os recados que os meninos me davam, buscando mais autonomia na vida.
Aliás, entendi o que, dia destes, a mãe de Sharon nos dizia, no Instituto:
-  Filho a gente nutre, ensina e dá um par de asas!

Aí aprende como a natureza cresce e, cuidando, se regenera.  Aprende, vendo os canarinhos ocupando o ninho que um dia foi do João de Barro.  Aprende quando, no caminho, Tomás pergunta pra Lua se ela vai estar no Meu Sítio, quando a gente chegar.

Neste percurso, fico muito satisfeito de ter plantado tanto para colher agora.


terça-feira, 20 de abril de 2010

Aliás . . . - 64


Aliás[1], por falar na gagueira da minha perna, você não faz idéia do que andou acontecendo comigo estes dias.

Leco, meu personal oncologist, substituiu a tradicional e chata quimioterapia por um imunosupressor megapower suround sond turbo chamado Sutent.  O troço ainda está em teste e custa um escândalo.  Só se consegue depois de brigar na justiça.  Mas isto é problema da Dra. Lílian, minha personal attorney, que está fazendo o povo da Secretaria da Saúde sofrer, por eles terem resolvido encher o raio do meu saquinho.

O troço é megapower com força.

Pensando bem, até que considerando tudo que é efeito colateral que podia ter dado com a quimio, o que eu ando sofrendo é pinto, quase nada.  Quando a gente lê a bula do Sutent, acha até que eu ia poder me autodestruir dez segundos depois de ingerir o comprimido.

Começa na boca.  Uma semana depois que eu começo a tomar, dá uma afta química[2] que destrói toda capacidade de sentir sabor da minha língua.  No final da série de 28 dias, a boca seca[3] de um jeito que eu até prefiro não comer.  Mas a super doutora Ada, especializada em odontologia oncológica[4], resolve isto com um tratamento de laser bacana. 
Mas do jeito que vem, vai.  Uma semana depois de terminado o ciclo, não fica nem sinal do estrago.

Nota de Utilidade pública:  tem um dentifrício importado chamado Biotène que permite gente na minha situação escovar o dente sem maior drama.  A Biotène tem também uma saliva artificial sensacional pro meu caso.

O Sutent também dá uma secura fora do comum na pele da canela.  Que nem cobra, fica tudo escamado, cai, e depois nasce a pele novinha.  Mas na hora da troca da pele, dói um cadinho.  Já estou com o creme que resolve.

Fora isto, como o corante do Sutent é amarelo, eu ia ficar com a pele com a cor meio esquisita.  Mas só os coleguinhas do Leco na OncoMed é que notaram alguma coisa.  Ninguém falou nada.  Nem Flavinha, que é quem repara tudo lá em casa.

Mesma  coisa o cabelo.  Ia ficar branquinho.  Nada fora do comum.
De qualquer maneira, como eu ando caminhando pra provectude[5], já estava na hora.  Minha barba, por outro lado, anda parecendo floco de algodão.
Linda.

Se até a entrada da primavera eu ainda estiver tomando o Sutent, vou manter a barba até o Natal, pra ser Papai Noel pro Tomás.



[1] Herval, meu mentor na Vale, dizia que o grande desafio do jornalista era começar um texto com a palavra aliás.  Lembrei dele quando continuo, neste post, a falar dos efeitos colaterais.
[2] Dra. Ada, minha personal dentist, fala que o nome da afta química é mucosite.
[3] Saco, esta reforma ortográfica.  Aposto que você vai ler sêca, adjetivo, e não vai ler séca, terceira pessoa do singular do verbo secar...
[4] Nem sabia da existência desta especialização. Igual aquela piadinha do direito, vai ser especializada assim na...
[5] Acabei de inventar.  Não achei, no Aurélio.  Só pro.vec.to,  adjetivo,
1. muito adiantado, ou sabedor. 
2.  Diz-se de pessoa idosa, de idade avançada.

domingo, 18 de abril de 2010

Gagueira - 63



Logo que eu comecei a fazer hemodiálise, Zé Augusto, meu personal nefrologist, me alertou.  Eu começaria a apresentar um efeito colateral, no mínimo singular.

É que, sei lá por qual motivo, minha perna fica gaga, começando a dar solavancos ininterruptos.

Eu estou lá sentado, na maior boa, e ela ganha vida própria.  Começa a dar espasmos, contrações involuntárias, sobre as quais eu não tenho o menor controle.  Movimentos, como diz minha Bonequinha de Porcelana, da sua própria criatividade.

Tudo bem, uma vez que eu tinha sido alertado.  Mas eles falaram só comigo.  Tem hora em que eu estou sentado no sofá, conversando com mamãe, e a perna começa a solavancar.  Eu disfarço, finjo mudar de posição, mexo com as mãos. 
Engano meio mundo.
Mas o problema é que o outro meio é mamãe.  Tadinha.  Ela entra em pânico.  Percebe logo.
Fica doida querendo que eu mude de lugar, que sente em uma poltrona mais confortável...  Não adianta explicar, que não é nada.

O pior é que, com o frio, a gagueira fica mais recorrente.  É eu entrar debaixo do cobertor e os solavancos começam.
Outro dia eu acordo de noite e Gêisa tinha colocado um rolo tipo travesseiro entre nós dois.
Queria não ser incomodada com os solavancos que eu dava, mas não queria me incomodar.

A solução é relativamente simples, mas tarja preta.  Meio comprimido de clonazepan e eu fico uns quatro dias sem a “síndrome da perna inquieta”, que é como o Zé Augusto, brincando, se refere à gagueira da minha perna.

O troço dá um sono que, invariavelmente, eu perco a hora no dia seguinte.  Mas durmo feito uma pedra.

Eu e Gêisa...

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Pensando bem . . . - 62




Estive hoje o dia inteiro assistindo um Corportate RPG que o povo do Fernando, meu amigo de São Paulo, estava dando pra FIEMG.  
Bacana com força.

E no processo, me ocorreu um punhado de ganhos que eu venho tendo com a história deste tumor:

-  Minha glicose normalizou.
-  Minha pressão agora ficou estável.
-  Eu ando dando mais atenção pra minha saúde
-  Não pago mais imposto de renda.
-  Só faço agora o que eu quero.
-  Não enfrento fila em banco.
-  Posso andar de ônibus de graça.
-  Tenho mais tempo pra brincar com Tomás.
-  Não chego mais em casa correndo pra fazer xixi.
-  Não preciso de desculpa pra não ir onde eu não quero.
-  Aposentei.
-  Emagreci 32 quilos.
-  Fiquei bonito que só eu.
-  Fiquei ainda mais o mais querido da mamãe.
-  Cuca pega minha xícara de café.
-  Tem uma onda de ternura e solidariedade em volta de mim.
-  Estou aprendendo a meditar com a Cecília.
-  Ando descobrindo umas figurinhas sensacionais na hemodiálise.
-  Paulinho Muleta me aplicou na Rede Saci.
-  Qualquer tropeço meu vira oportunidade de aprendizado.
-  Fico emocionado vendo as árvores que eu plantei no Meu Sítio.
-  Choro toda hora que fico emocionado.
-  Fico emocionado com qualquer coisinha.
-  Recebo telefonemos do nada, de gente me mandando beijo.
-  Virei palpiteiro do Instituto.
-  Recuperei camisas e calças que eu achava que nunca mais ia usar.
-  Fico vendo que eu ando melhor que muita gente.
-  Ando cuidando mais da minha espiritualidade
-  Rezo como não fazia há muito tempo.
-  Aprendi a celebrar cada dia.

Se você lembrar de mais algum, manda pra mim, que eu vou adorar refletir sobre isto.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Chantagem - 61


Tem uma coisa que me deixa fora do sério.  Acho que deve deixar todo mundo que, de alguma maneira, está em alguma condição parecida com a minha.
É quando confunde minha deficiência com incapacidade.

Quando eu vou pegar um copo no armário, por exemplo, neguinho sair correndo na minha frente pra me entregar o copo.  Isto me deixa enlouquecido.  É como se eu fosse incapaz.  Isto me irrita profundamente.
Se quiser me ajudar mesmo, a melhor maneira é perguntar o que eu quero.
Pronto.  Simples assim.

A não ser quando eu quero.

De vez em quando, baixa um santo manipulador e eu começo a exigir uma série interminável de atenção.  É só inclinar a cabeça levemente pra direita, falar com a voz mais chorosa, e pimba.  Não falha...
Irradia uma onda de solidariedade que me atende em qualquer demanda.

Só com a Gêisa.

Com os meninos, por outro lado, a chance é zero de dar certo.
Diogo, por exemplo, me recebe com um direito na fuça que me faz desistir imediatamente da chantagem.  Lisa coloca uma cara de falta de paciência que eu prefiro deixar isto de lado e fazer eu mesmo.  E Ciça simplesmente ri.  Ri de mim, me escracha.  Aí eu morro de vergonha

Mas com Gêisa não falha uma.  É só fazer a carinha tristinha, e ela se desdobra em mil dengos.



sexta-feira, 9 de abril de 2010

0 x 0 - 60




Desde que eu comecei a meditar com Cecília, minha bruxinha boa, o que mais tem me fascinado é o exercício do perdão.  Marcos, marido dela, acha que é a coisa mais difícil pra ele também.

Aí mistura tudo.  Entra arrogância, entra orgulho, entra a nata do que eu tenho de pior.  Herdei da mamãe, eu acho.  Ela fala que não guarda mágoa nunca.  Só tem uma boa memória...

Carol do Diogo fala que eu sou melindroso.  Qualquer coisa, eu fico com a cara mais amarrada do mundo.  Diogo, ça va sans dire, racha...
Cecília fala que a gente sempre perde quando fica carregando mágoa.  Quem eventualmente nos magoou, sem querer ou expresso, já fez e acabou.  E a gente ali, aquela coisa embrulhando o estômago por um longo tempo ainda.

O pior é que é com todo mundo.  Uma vez Du, meu lord, foi sacaneado por uma pessoa de nossas relações.  O cara, claro, caiu na minha lista negra.
Depois de um tempo, Du se acertou e fez as pazes com ele.  Eu, neca de pitibiriba.  Continuei com minha bazuca mirando na direção do cara.
Tem hora que eu penso que meu câncer nasceu aproveitando isto...

Gêisa, por outro lado, começa todo jogo no 0x0.  O que aconteceu lá atrás já acabou.  Eu lá, maior azedo, e ela derramando mel, tentando me estimular a começar do zero.
A gente fica igual o Valente com a Aletha.  Ela, toda doce, eu mastigando o maxilar, pisando duro, brigado com o mundo.

Cecília está me ensinando a trabalhar com isto.  Acho que vai demorar um tempo.  Não deve ser fácil demolir convicção construída ao longo de 58 anos.  Mas eu ando exercitando como um atleta em véspera de olimpíada.

Tem hora que eu me pego brigado com a Gêisa e ela me pergunta:
-  Vamos lá.  O que houve?
E aí é o maior vexame.  Já esqueci o motivo da mágoa mas ainda estou brigado.

Fala sério.  Ainda bem que Gêisa é generosa.
De outra maneira, eu não durava muito, durava?


  

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Amor eterno II O retorno - 59


Celsinho é meu irmão.  Que nem eu mesmo, é Coelho pela Vovó Elgita e Ferreira pelo Vovô Cantídio.  Filho do TiZé, meu padrinho e irmão mais velho do papai, Celsinho é nosso embaixador no Rio.  Leva isto com a maior seriedade.  Ciça é testemunha, nos tempos em que morou lá.
Diz ele que aprendeu este zelo quando estudava em Belo Horizonte e fazia de onde a gente morava seu refúgio.  Quando eu postei o primeiro Amor Eterno, do aniversário da mamãe, ele me ligou, falando que era pouco.
Tonta[1] achou pra mim, lá em casa[2], um texto da lavra dele, tornado público em uma festa que reuniu os Coelhos todos, há um tempo atrás, em Governador.
Olha que beleza:

“Após ler, no penúltimo número do nosso jornal, o perfil que a Regina traçou sobre o Biá e seus cunhados, resolvi escrever alguma coisa sobre uma casa, melhor dizendo um “lar” constituído por um casal de descendentes do Vovô João e da Dindinha Olímpia[3].  Ele, bordeaux[4], ela, amarelo, casaram-se em 1947.  Tiveram 7 filhos, sendo que dois deles valem por quatro[5]...

De sua primeira residência, em Belo Horizonte, pouco me lembro.  Mas para mim, garoto, o número da rua em que se localizava a casa deles, era como se fosse mágico:  Timbiras, 3117.

Todos – meus pais, tios, avós – falavam deste endereço; só mais tarde, a partir de 1961, quando passei a freqüentá-los, semanalmente, compreendi porque todos se referiam com um carinho especial, sempre que os mencionavam.

Já então, moravam na Rua Rio Grande do Sul, pertinho do campo do Atlético.  Nós que acabávamos de chegar a Belo Horizonte - eu, Teia da Luzia, Marisa do Tio Carlos, Nelson do Tio Paulo, Kekéia do Tio Antônio - fazíamos de lá, com outros primos, como Paulo Guido e Fernando do Tio Sinval[6], Roberto da Tia Nize, Marcos do Tio Paulo, entre outros, ponto de encontro de todo mundo.

Depois, a casa da Martins de Carvalho, esquina de Av. Amazonas.  Nesta, além dos já mencionados, foi o tempo do Toninho do Tio Antônio, da Tiângela, Tininha e Celina da Luzia, do Lindolfo, do Biá.

Finalmente a casa da Av. Afonso XIII, época da turma mais nova: Virgílio do Tio Omar, Nita, Beto e Sinval do Zé Cantídio, o pessoal do Paulo e do Carlos Ferreira, do Beto e da Tucha da Loló, do Bibica da Creusa, do Emílio da Nair, da Kênia da Celeste, da Genoca da Luzia e muitos outros.

A qualquer hora do dia, da noite, ou da madrugada, os sobrinhos, os irmãos, os cunhados, pais e sogros e demais parentes de Virginópolis, Guanhães e de Valadares eram recebidos por eles com carinho.  Aos domingos, o movimento começava cedo e só terminava de noite, quando eles, geralmente, levavam cada um de nós, em suas casas, na kombi.

Na época de jabuticaba, os passeios ao sítio do Cel. Gontijo e a Contagem eram verdadeiros picnics, sempre recomendando não engolir o caroço.

Em qualquer dificuldade todos nós recorríamos a ele ou a ela para quebrar os nossos galhos.  E como quebravam!  Alguém ficava doente ou precisava de alguma coisa, era só ligar que eles estavam prontos para nos prestar assistência.  Sempre os vi, e aqui incluo os filhos, barulhentos (eles, principalmente), comunicativos, companheiros, expansivos, dispostos e prontos a nos acolher com a maior boa vontade, muitas vezes se sacrificando e aos filhos.

As festas eram sempre comemoradas em dia que a maioria pudesse estar presente.  Nos aniversários, dela 26 de março e dele 04 de junho, a confraternização era geral.

A nova geração não sabe o que perdeu por não ter tido, naquela época, oportunidade de conviver mais de perto com eles e seu filhos.  Os primos que por ali passaram já sabem quem são os dois e podem aquilatar a minha emoção ao dizer, para os mais novos, como era bom, acolhedor, cheio de calor humano o “lar” formado pelo tio Henrique e tia Teça.

Ass:  Celso ½ kg Ferreira”

Foi nessa época,  Celsinho, que eu aprendi que pão com manteiga, partilhado com amigo, tem gosto de caviar.



[1] Não tenho a menor idéia do motivo.  Celsinho sempre chamou Flavinha, minha irmã, de Tonta.  Alguma ela deve ter aprontado, pra merecer...
[2] “Lá em casa” significa, pra mim, aqui em casa e na casa da mamãe.  Deve ser assim também, com você...
[3] Você acredita que papai e mamãe são primos de primeiro grau?  Diogo jura que eles ficavam olhando pra mim, preocupados, dizendo:  Este menino tem problema...
[4] Na festa, cada filho do Vovô João Rodrigues tinha uma cor.  Bordeaux era vovó Elgita, mãe do papai.  E amarelo, Vovô Sinval.
[5] Referência indisfarçável ao corpitcho que eu e Paulão tínhamos, à época.
[6] Não procura entender não porque até hoje Gêisa tem dificuldade.  Primos deles.  Pra mim, Fernando e Paulo, irmãos da mamãe, são meus tios.  Ponto final.

domingo, 4 de abril de 2010

Edição Extraordinária 10 - 02 de abril

A gente tem um acordo aqui em casa que deixa todo mundo feliz.

É que sempre que Carol e Diogo querem chafurdar o pé na jaca, Tomás dorme aqui em casa.

Pra mim e pra Gêisa é um presente. A coisa vira uma festa.  O quarto que era do Diogo já está todo arranjado pro Tomás.  Mesmo que à primeira vista pareça um transtorno, eu e Gêisa nos esbaldamos.
Espero que, da mesma forma, Carol e Diogo façam o mesmo, à maneira deles.

Até aí, tudo bem.  Imagino que esta estratégia seja sempre motivo de gáudio para pais, filhos e netos que se amem.  Não seria nem motivo pra merecer uma edição extraordinária.

É que no dia 02 de abril aconteceu tudo ao contrário.

Diogo havia falado que não iria sair.  A gente estava na casa do Paulão quando ele telefona, informando do imprevisto.  Viemos pra casa, pura felicidade, mas encontramos Tomás já dormindo.

Quando deu umas duas da manhã, Tomás acorda chorando.  Muito.
Eu e Gêisa corremos para o quarto dele, pra apagar o incêndio.
Como de hábito, Gêisa assumiu o controle.
-  Vem com a vovó!

E Tomás, pela primeira vez, espero que de uma série, reagiu enérgico e definitivo:
-  Não quero.  Quero o vovô.

Veio correndo em minha direção, que estava sentado no sofá-cama do quarto dele.  E ali ficou, no meu colo, até se acalmar.

Eu, claro, mais feliz que pinto na bosta, me regozijava com o momento.

Quando contei pro Diogo, Gêisa tentou reduzir  meu entusiasmo.  Deve tentar fazer o mesmo, se você provocar o assunto com ela.

É muito emocionante, bacana, acompanhar menino crescendo, e ver, principalmente, que ele conseguiu se preservar da minha falta de juízo.



Estou apanhando pra postar o vídeo do Tomás.  Então clique aqui e veja assim mesmo...